Hamas: terrorista ou movimento político?
- 15 de maio de 2024
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- Theillyson Lima
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Brasil concorda com a ONU na classificação do Hamas como “grupo extremista”.
Paula Orling
A esta altura, apenas um alienado não sabe que uma guerra de dimensões catastróficas é travada entre Israel e Palestina. Ou melhor, Israel e Hamas. Contudo, é possível que muitos não entendam o que significa o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), porque, afinal de contas, quem realmente é afetado no conflito é o povo palestino, não o grupo chamado de terrorista por alguns.
A BBC Brasil descreve razoavelmente o Hamas como: “ramificação do braço palestino da Irmandade Muçulmana, maior e mais antiga organização islâmica do Egito, o Hamas tinha, inicialmente, o duplo propósito de implementar uma luta armada contra Israel, liderada por sua ala militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, e de oferecer programas de bem-estar social aos palestinos”. Por estas razões, principalmente humanitárias, o Hamas se apresenta como solução política para a condição subjugada da Palestina.
A história do Hamas começa muito antes de outubro de 2023, quando os ataques deles levaram a uma guerra. Desde o século 19, o movimento sionista buscou uma pátria para os judeus dispersos na diáspora, a qualquer custo. Israel sempre se considerou dono da região da Palestina e, quando a ONU criou o Estado de Israel, em 1948, a divisão dos territórios israelenses e palestinos não foi respeitada, pelos dois lados. Foi apenas em 2005 que Israel decidiu retirar suas tropas da Palestina, chamada de Cisjordânia pelos israelenses.
Um ano depois, o Hamas ganhou as eleições na Palestina frente ao Fatah, movimento do presidente Mahmoud Abbas. Em 2007, tomou oficialmente o poder da Palestina. Esta situação fez com que Israel reforçasse o controle de suas fronteiras e países ao redor do mundo, inclusive o Brasil, passaram a temer o futuro geopolítico do Oriente Médio.
A Folha de São Paulo, no Brasil, e a BBC, no Reino Unido, se manifestaram com a declaração de que temiam o poder do Hamas, que chocou o mundo ao vencer as eleições contrariando as pesquisas de intenção de voto e as bocas-de-urna. A concorrência era do Fatah, partido político no poder há mais de 40 anos na ocasião. A última eleição para o Executivo na Palestina foi em 2006 e Abbas é o presidente desde então. Assim sendo, a democracia é da boca para fora, apenas um ideal longe de ser seguido na nação.
Israel prejudica a Palestina
Um ano depois do Hamas assumir o poder palestino, Israel reforçou os bloqueios à Gaza e aumentou o controle do espaço aéreo e marítimo do território. Em 2010, os militares israelenses interceptaram a tiros um barco turco levando ajuda humanitária para a região, deixando mortos. Já em 2013, o Egito bloqueou a única saída de Gaza não controlada por Israel.
O bloqueio israelense provocou uma queda de mais de 50% do PIB da Faixa de Gaza, conforme dados do Banco Mundial. A região tem pouco acesso a matérias primas e recursos naturais e tem escassez de água e combustível. Na região, 45% da população sofre com o desemprego e mais de dois terços dependem de ações de ajuda humanitária.
Em 2008, uma ofensiva israelense para barrar os disparos de foguetes do Hamas deixou 1.440 palestinos e 13 israelenses mortos. Quatro anos depois, Israel fez uma operação com oito dias de bombardeio, que deixou centenas de vítimas – entre elas o líder do Hamas Ahmad Jaabari. No conflito de 2014, morreram 2.251 palestinos (sendo a maioria civis) e 74 israelenses.
Em 2017 o Hamas mudou de postura, anunciando uma reforma de sua carta de fundação. O documento passa a falar de um “combate político” e não mais apenas religioso contra Israel. Mesmo, concorda com um futuro Estado Palestino limitado aos atuais territórios da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza. O novo líder, Ismail Haniyeh, foi considerado mais moderado e pragmático.
Como o governo brasileiro classifica o Hamas
O Brasil, de forma institucional, não considera o Hamas um grupo terrorista. Em declaração do dia 12 de outubro de 2023, logo após o ataque do Hamas a Israel, o Ministério das Relações Exteriores declarou: “no tocante à qualificação de entidades como terroristas, o Brasil aplica as determinações feitas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão encarregado de velar pela paz e pela segurança internacionais, nos termos do Artigo 24 da Carta da ONU”. O Brasil está em uma das dez vagas não-permanentes do Conselho de Segurança. Apesar de 60 deputados da Câmara dos Deputados assinarem um documento solicitando que o Brasil passasse a chamar o grupo de “terrorista”, o pedido não foi atendido.
A ONU considera o Hamas um movimento político, mesmo que considere seus ataques como “terroristas”. De acordo com o porta-voz Stephane Dujarric, a classificação de alguém como “terrorista” só pode ser feita pelo Conselho de Segurança. Após representantes da ONU reforçarem esta ideia, o embaixador de Tel Aviv na Organização das Nações Unidas, Gilad Erdan, repudia por meio de post no X: “O assassinato brutal de centenas de civis não é terror? A violação sistemática de mulheres não é terror? A tentativa de genocídio judaico não é terror?”.
Críticas ao posicionamento da ONU
Há discordâncias nesta afirmativa. O Senior Advisor da Foundation for Defense of Democracies (FDD), Richard Goldberg, se posiciona contra a declaração da ONU: “a ONU não subsidia apenas o Hamas em Gaza; colabora com o Hamas. Como isso é possível? Griffiths acabou de nos dizer – porque para a ONU, o Hamas é um partido político, não um grupo terrorista. E porque a UNRWA é uma agência local em vez de uma verdadeira organização internacional, este problema transforma-se numa agência que emprega livremente membros do Hamas, fornece apoio material ao Hamas e entrega ajuda aos afiliados do Hamas.”
Várias críticas surgiram por parte de Israel aos grupos humanitários envolvidos na atual guerra. A maior crítica foi à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), que foi acusada de participar do massacre de 7 de outubro. Em fevereiro deste ano, as Forças de Defesa de Israel (IDF) provaram a existência de um centro de dados do Hamas localizado diretamente abaixo da sede da UNRWA na cidade de Gaza. Indesculpavelmente, um grupo de extremistas israelenses incendiou a sede da UNRWA em maio, causando o fechamento temporário da mesma.
Os Estados Unidos, a União Europeia, Canadá, Japão, Austrália e outros países consideram o Hamas um grupo terrorista.
Posicionamento de meios de comunicação brasileiros sobre o título do Hamas
Diante do vago posicionamento do governo brasileiro, os veículos de comunicação do país tendem a se abster de definir o que, de fato, é o Hamas. Por este motivo, é comum ver a terminologia variar dependendo do autor, sempre respeitando a linha editorial do jornal ou portal de notícias em questão.
O Grupo Globo provavelmente é o maior defensor proeminente da Palestina entre os meios de comunicação brasileiros. Talvez esta seja a razão pela qual opta por classificar o Hamas apenas como “grupo extremista”, pisando em ovos para não dramatizar, e ressaltar, as posições questionáveis do Hamas. Uma vez que classifique o grupo como terrorista, sua influência em proteger civis palestinos poderia diminuir e sua influência na pauta de apoio à criação do Estado da Palestina.
Assim como o Grupo Globo, o Metrópoles também se abstém de pressionar o governo com declarações dúbias. De forma geral, desde o início da guerra de 2023, o termo mais utilizado foi “grupo extremista” para descrever o Hamas. Mesmo assim, dá liberdade para os colunistas flertarem com o termo “terrorismo”.
Classificação do Hamas pela Folha de São Paulo e pelo Estadão
Em oposição ao discurso governamental, os jornais Folha de São Paulo e Estadão acusam abertamente o Hamas de ser terrorista. A Folha mantém seu posicionamento há décadas. Em 2006, o jornal já declarou o envolvimento do Hamas com o terrorismo, com a afirmação: “o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), organização terrorista que cometeu vários atentados suicidas contra civis de Israel nos últimos anos, conquistou anteontem uma surpreendente e histórica vitória nas eleições legislativas palestinas”.
Esta posição concorda com o linha editorial do veículo de comunicação, que entende terrorismo qualquer “pratica violência indiscriminada contra não combatentes a fim de disseminar pânico e intimidar adversários”. A Folha enquadra os ataques do Hamas a Israel neste critério. Desde esta determinação, o jornal combate o Hamas com seus argumentos e utiliza o termo “terrorista” para defini-lo.
Semelhantemente, o Estadão considera o Hamas um grupo terrorista. O jornal acusa o Hamas de interpretar “os ensinamentos do Alcorão, livro sagrado da religião islâmica, de forma extremista e radical”. Assim, concorda com veículos de comunicação internacionais, especialmente dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia.
Confusão e alastramento do caos
Como se uma guerra no Oriente Médio não fosse o suficiente para deixar o mundo sob alerta, a distorção de informações e polarização das opiniões contribui para a desinformação populacional. Dependendo do veículo de comunicação que o civil acompanha, sua opinião pode ser guiada para direções opostas. Assim, para aqueles que buscam um conhecimento plural, é quase impossível gerir o turbilhão de informação divulgado pelos lados polares e desenvolver uma opinião coerentemente fundamentada.
Aliada a esta problemática está a falta de determinação e clareza no posicionamento do governo brasileiro, que replica as declarações da ONU. Esta, por sua vez, encara protocolos longos e pouco resolutivos a respeito da classificação do Hamas. Assim, para que haja melhor compreensão do povo sobre o que se passa no Oriente Médio, é necessária maior transparência por parte das organizações mundiais. Então, os governos nacionais poderão trazer ao público decisões internacionais claras, sem a grande sombra que encobre os posicionamentos políticos pouco acertados como os da ONU. A partir deste ponto, será possível que os veículos de comunicação definam a que pé estão com a política internacional de forma clara, humanizada e menos dúbia.