Deficiência e piedade: é correto relacioná-las?
- 3 de abril de 2024
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- Theillyson Lima
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O filme “Intocáveis” não retrata a realidade de uma deficiência com pena; pelo contrário, dá um tom bem humorado à trama.
Gabrielle Ramos
Há pouco tempo, deficiências eram definidas como impedimentos estritamente físicos, mas agora abrangem fatores intelectuais, mentais e sensoriais. Além disso, passam a ser atreladas às desvantagens sociais, destacando que não é a pessoa que é deficiente, mas sim a sociedade que carece de mecanismos adequados para promover a inclusão.
O novo conceito, presente no artigo 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 2006, incentiva a sociedade a fornecer os meios adequados para a interação e participação equitativa delas. No entanto, ao buscar essa acessibilidade, é comum que muitos tratem as pessoas deficientes com piedade exacerbada.
Diante deste cenário, a mídia frequentemente enfatiza histórias de pessoas deficientes, geralmente concentrando-se em suas jornadas de superação. No entanto, “Intocáveis” não retrata a realidade de uma deficiência com pena; pelo contrário, dá um tom bem humorado à trama.
Sobre o enredo
Nascido na Tunísia, Philippe Pozzo di Borgo é autor do livro “O Segundo Suspiro”, de 2001, o qual narra a história dele como empresário tetraplégico que inspirou o filme “Intocáveis”. Obra dos diretores franceses Oliver Nakache e Éric Toledano, a adaptação foi vendida em cerca de 50 países e teve sucesso exponencial no continente europeu.
Lançado em 2011, o longa-metragem se passa na França e narra a contratação de um imigrante senegalês, Driss, para ser cuidador de um milionário tetraplégico, Philippe. A união dessas duas personalidades ultrapassa o âmbito profissional, uma vez que eles adquirem uma amizade que muda a vida de ambos.
Humor x Piedade
No filme, a maioria dos cuidadores de Philippe o tratava com piedade, pois consideram que ele estava prestes a morrer. Driss, por outro lado, o tratava com naturalidade. Isso fica evidente na cena quando ele entrega o celular a Philippe, esquecendo-se de sua limitação física.
Diferentemente de outros filmes de superação, a narrativa não se esforça para fazer críticas sociais engajadas. Pelo contrário, enfatiza a despreocupação ao não questionar as posses do personagem rico, que diminuem suas dificuldades em comparação com outros deficientes. Além disso, não aborda as condições dos imigrantes na França, deixando de lado questões sociais pertinentes.
O tom leve e descontraído de “Intocáveis” desvia o foco da desigualdade física e social, pois deixa claro que alguns desafios não possuem solução fácil, como é o caso da tetraplegia de Philippe. Dessa forma, prioriza a amizade entre os protagonistas, retratando-os com felicidade, apesar das circunstâncias.
Essa abordagem está correta?
Tratar uma pessoa deficiente com naturalidade e respeito, sem nutrir sentimentos de pena, pode ser uma abordagem positiva. Muitas vezes, essas pessoas preferem não ser definidas por sua condição, afinal, eles são indivíduos com gostos e preferências próprios, como qualquer outra pessoa.
No entanto, é importante reconhecer a singularidade de cada pessoa e suas necessidades variadas. Por isso, em certos casos, ignorar completamente a deficiência pode ser prejudicial, já que a pessoa pode necessitar de assistência para realizar atividades específicas ou uma melhor compreensão de suas atitudes.
Além disso, é importante considerar que um excesso de humor, como exemplificado no filme, pode ser interpretado de maneira variada por cada indivíduo. Isso pode resultar em mal-entendidos e até mesmo causar traumas, uma vez que uma pessoa pode se sentir ofendida por um comentário, mesmo que feito em tom de brincadeira.
Adotar uma abordagem empática, respeitosa e atenciosa em relação às necessidades individuais de cada pessoa com deficiência não apenas promove a inclusão na sociedade mas também as reconhece como seres completos. Dessa forma, os gostos e aspirações pessoais delas são considerados prioritários em relação às suas deficiências, as quais, embora relevantes, não as definem por completo.