Morte: a espetacularização e exploração sobre a finitude da vida
- 11 de outubro de 2023
- comments
- Theillyson Lima
- Posted in Análises
- 0
Morte de Elis Regina, Chorão, Amy Winehouse e Michael Jackson: produtos de uma mídia carniceira.
Natália Goes
No jornalismo basileiro existem vários tipos de cobertura, uma delas é a cobertura jornalística sobre morte. A morte tem valor de notícia no mundo do jornalismo e quando se trata da morte de pessoas famosas, esse valor aumenta. A finitude da vida humana é pauta cotidiana nas redações.
Na ânsia por um furo jornalístico, ou seja, dar em primeira mão a notícia sobre a morte de algum famoso, jornais se preparam para anunciar o mais rápido possível o falecimento. Porém, a ética jornalística diz que morte não é furo.
Extensas e detalhadas coberturas são realizadas no jornalismo quando envolve a morte dos grandes astros. Assim, esse texto tem como foco observar como foi feita a cobertura jornalística da morte de alguns famosos que eram usuários de drogas levando em consideração as mudanças sociais e apropriação do mercado midiático para criar sua própria narrativa e gerar lucros.
Morte de cantores internacionais
Amy Winehouse
Amy Jade Winehouse foi uma cantora e compositora nascida em Londres, Inglaterra. A inglesa, tinha raízes no jazz e começou a cantar com 10 anos. Aos 16 anos já fazia shows em bares britânicos. Em 2003 lançou seu primeiro álbum, mas fez sucesso com o segundo , “Back to black”, em 2006, com a música título do álbum e outra chamada Rehab, que contava sobre seu processo em clínicas de reabilitação.
Depois de um período de abstinência, a cantora foi encontrada morta em julho de 2011, na sua casa situada em Londres após beber uma grande quantidade de álcool. Segundo reportagem do G1, o laudo constatou que havia 416 miligramas de álcool por 100 mililitros de sangue. Sendo o limite estabelecido pela lei britânica de 80 miligramas.
A revista Época também fez algumas reportagens sobre a cantora. A primeira foi feita na capa da revista com o seguinte texto: “Amy Winehouse: Por que tantos artistas morrem tão cedo?”. A estratégia de questionamento remeteu a reportagem interna da revista, expondo sobre sua própria resposta sobre os porquês da morte da cantora.
Outros títulos foram construídos pela revista, sendo um deles “AMY”. Nessa reportagem, a revista leva o leitor a entender um pouco da sua vida e como ela subjugou as drogas e o porquê escolheu viver da forma que ela vivia.
Na reportagem com título “Bons e Maus Momentos”, há a denotação dos altos e baixos na carreira da cantora, o modo que ela vivia o sucesso e como logo depois caía na decadência, além do casamento conturbado. O título expõe que a cantora viveu do céu ao inferno.
Na retranca com o título o Bairro de Amy, a reportagem: “O mundo da cantora em Camden Town, um centro boêmio e cultura alternativa de Londres”, deixa explícito o jeito de Amy viver. Já o texto Jovens, destrutivos e geniais, expõe a relação da cantora com alguns membros do denominado “clube dos 27”, no qual alguns ídolos da música fazem parte e também perderam a vida aos 27 anos.
A reportagem cita nomes como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison e Kurt Cobain. A revista cria um perfil autodestrutivo da cantora, além de falar que ela escolheu viver de modo considerado inaceitável perante a sociedade, deixando nas entrelinhas a opinião do jornalista e do veículo sobre como os artistas pensam, como se todos achassem bonito se autodestruir.
Michael Jackson
Em 25 de julho de 2009, o TMZ noticiou que Jackson havia sido levado para o hospital com uma parada cardíaca. Na época, o twitter recebeu um grande número de buscas pelo nome do cantor. A busca foi tão alta que o site entendeu se tratar de um vírus e suspendeu as buscas. Na internet, a principal fonte era o TMZ que não tinha grande credibilidade.
Aos 50 anos e próximo a embarcar em uma maratona de 50 shows em Londres, Michael Jackson sofreu uma overdose acidental de Propofol. Diferente de Amy Winehouse que foi retratada como vilã, Jackson foi retratado nos jornais como rei.
Na manchete do jornal norte-americano The New York Times, o título “A Star Idolized and Hounted, Michael Jackson dies at 50″ (Uma estrela idolatrada e caçada, Michael Jackson morre aos 50 anos, em português), discorrendo sobre a comoção da sociedade causada pelo falecimento do cantor.
Já no El Pais, em sua versão impressa, a morte de Jackson teve como título “Fica vazio o trono da música pop. Um infarto acaba em Los Angeles com a vida do autor de Thriller”. A matéria teve como foco as causas do falecimento, além de homenagens ao cantor que foram realizadas na calçada da fama.
No Brasil, os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo destacaram a morte do astro pop, bem como sua carreira, atuação e seu desenvolvimento no mercado fonográfico mundial. Também foi exposto seus problemas com o suposto “narcisismo”.
Morte de Cantores Nacionais
Elis Regina
Nascida em 17 de março de 1945 em Porto Alegre, Elis Regina se despediu na manhã do dia 19 de janeiro de 1982, com apenas 36 anos e entrou para a história da música brasileira, vítima de uma overdose de cocaína com bebida alcoólica.
Na época, a cobertura jornalística era feita através dos meios de comunicação que estavam em alta, como a rádio e as revistas. A Rádio Excelsior de São Paulo noticiou a morte da cantora. Poucos minutos antes da divulgação da morte, a pauta na rádio era sobre a preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo da Espanha.
Toda a grade de programação da rádio foi derrubada e naquele dia foi feita apenas a cobertura da morte da cantora. Foram expostos os nomes dos filhos da cantora, bem como depoimentos de pessoas próximas e uma reprise da última entrevista com a cantora e hipóteses sobre sua morte.
Elis não tinha histórico de abuso de drogas. O dia da sua morte, além de ter sido um dia triste para o Brasil, foi também o início de um grande escândalo. A notícia era demais para a sociedade brasileira conservadora que vivia o regime militar.
A imagem de Elis passou de uma mulher a frente do seu tempo para a imagem de persona non grata para uma grande parte de seus fãs que começaram a questionar a moral da artista. Isso foi potencializado com a circulação da Revista Veja que estampou em sua capa a tragédia da morte da cantora retratando-a como usuária de drogas.
Alexandre Magno( Chorão)
Alexandre Magno Abrão, o Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr, foi um cantor, compositor, skatista, cineasta, roteirista, empresário e músico brasileiro. O cantor foi encontrado desacordado por seu motorista em seu apartamento.
O motorista acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência(Samu), mas a unidade de resgate constatou que ele já estava morto. Nascido em 9 de abril de 1970, Chorão faleceu com 42 anos em 06 de março de 2013.
O jornal G1, em sua cobertura, retrata o cantor como uma pessoa de gênio difícil e violento, justifica as ações do cantor com a separação dos pais dele durante a infância. Além disso, enfatiza os problemas que ele teve com outros componentes da banda Charlie Brown Jr e do fim do seu relacionamento com sua ex-mulher, Graziela Gonçalves, em razão do vício em cocaína.
A cobertura da Record rendeu a melhor audiência do ano da emissora. Já a Revista Veja, na época, publicou que o cantor tinha mania de perseguição e surtos psicóticos, mas por alguma razão tirou a matéria do ar.
Deixem os mortos descansar em paz
Com o tempo os meios de comunicação foram aprimorando. O advento da internet potencializou a circulação rápida por todos os lugares das informações. Instantaneamente tudo vira manchete. Com o dinamismo do jornalismo, as narrativas são construídas em tempo real.
Infelizmente o mercado midiático está sempre criando, reinterpretando e usando os fatos sociais a favor do lucro, não seria diferente em relação às mortes de famosos. As matérias produzidas em relação a essa temática trazem angústia e podemos perceber através dos exemplos citados que muitas vezes essas matérias focam no lado sombrio da vida do artista.
Funciona como se tivesse um script, um roteiro: primeiro a notícia da morte, logo em seguida um foco especial nos problemas pessoais, depois de um tempo surge a ressurreição simbólica trazendo o artista como herói e por fim toda uma produção de conteúdo pós-morte.
A finalidade das empresas de comunicação é gerar audiência e provocar sentimentos no leitor ou espectador, fazendo-os ficar envolvidos na narrativa. As histórias da Amy Winehouse, do Michael Jackson, da Elis Regina e do Alexandre Magno (Chorão) foram e são mais de histórias exploradas pela indústria. A mídia segue fazendo isso e, infelizmente, a narrativa tende a se repetir.