Deuses Mortais: a popularidade de “vilões” após sua morte
- 11 de outubro de 2023
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- Theillyson Lima
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A intrigante complexibilidade da homenagem póstuma.
Julia Viana
Que os meios de comunicação estão constantemente em busca de histórias interessantes e relevantes, isso já é um fato. Mas o que não é dito é que a morte de uma pessoa notável deixa uma oportunidade para gerar conteúdo significativo e atrativo. Isso se torna ainda mais evidente em um ambiente de notícias altamente competitivo em que a busca por histórias impactantes é constante. A cobertura da vida e morte de figuras notáveis não apenas presta homenagem, mas também amplia a trajetória de vida da pessoa que mantém o público envolvido.
Em jornais impressos ou até mesmo em publicações on-line pode ser visto um espaço dedicado às recentes mortes, um obituário, no qual ali são deixados algumas informações básicas sobre a vida do falecido ou até mesmo toda sua trajetória. Alden Whitman era um obituarista do The New York Times, que segundo Gay Talese descreveu em um perfil dedicado ao mesmo, os obituários que ele escrevia, condensando a importância do falecido, são seus maiores feitos e sua personalidade.
“Whitman sentava na cadeira e começava o interminável trabalho de escrever sobre a morte dos outros”, descrevia Gay Talese. Escrever sobre a vida de alguém após a sua morte representa uma poderosa maneira de prestar homenagem à memória dessa pessoa e manter vivo o seu legado. Um ato de contar a história de alguém para que futuras gerações possam conhecer sua vida, porém, esses relatos podem começar a se tornar problemáticos a partir do momento em que os obituários passam a virar endeusamento dessas figuras, tornando elas deuses mortais.
Legado e influência
As abordagens de divulgação desenvolvidas ao longo dos anos foram se aprimorando. Getúlio Vargas, por exemplo, criou o Departamento Oficial de Publicidade – entre 1931 e 1934 – em seu governo para promover as campanhas que o deixavam mais próximo do povo. Já Hitler popularizou a ideologia nazista por meio do boca-a-boca até conseguir se consolidar em um partido político. Dessa forma, pessoas são conhecidas e se tornam cada vez mais populares entre a sociedade.
Adolf Hitler foi um líder conhecido mundialmente por suas ideias e feitos que deixaram uma marca devastadora na sociedade, mas o problema de toda essa situação é a rede de apoio que ainda existe em volta dessa figura que, mesmo macabra, foi emblemática. Hitler fez uma revolução, estimulou o assasinato em massa e pregou a palavra de uma ideologia que mata. Ainda hoje existem grupos radicais e extremos que apoiam suas ideias: os nazifacistas, que exaltam essa figura, defendendo ideologias extremistas, propagando ódio e discriminação, e representam uma ameaça para a paz e a segurança global.
O regime nazista controlava estritamente a mídia e a propaganda, isso resultou em uma imagem altamente idealizada de Hitler. Ele era frequentemente retratado como um líder carismático e visionário que estava destinado a liderar a Alemanha para uma era de grandeza. Sua oratória habilidosa e sua capacidade de mobilizar as massas eram enfatizadas, assim, a propaganda nazista o apresentava como um herói nacional e um salvador da nação. A censura era presente na Alemanha, o que limitava severamente a capacidade da mídia alemã de relatar eventos com precisão e imparcialidade, deixando muitos aspectos negativos do regime e de seu líder não noticiados internamente.
Humanização
O jornalismo muitas vezes se esforça para humanizar algumas figuras. As histórias sobre a vida pessoal, os desafios e as lutas da pessoa falecida podem criar uma conexão mais profunda com o público e até mesmo gerar empatia. A problemática da humanização pode ser questionada a partir do momento que a mídia queira mostrar que talvez lá no fundo aquele indivíduo tinha algo bom ou que só cometeu aquelas atrocidades por conta do seu passado ruim e trágico.
Vítima do seu próprio passado, Sandro Barbosa Nascimento, foi abandonado pelo pai, testemunhou o assassinato a facadas de sua mãe, viveu nas ruas, sobreviveu à chacina da candelária, teve envolvimento com traficantes, ainda menor de idade foi preso por roubos e furtos e estava foragido da justiça aos 21 anos quando embarcou no ônibus 174. Essas são algumas informações da vida de Sandro retirados da reportagem do portal G1, que 15 anos após o acontecimento ainda relembrava as marcas do atentado.
Em 2008 foi lançado o filme “Última Parada 174”, além desse inúmeras pesquisas foram feitas e reportagens foram escritas analisando a trajetória de vida de Sandro e como a violência que acontecia ao longo de sua socialização influenciou seu envolvimento em um caminho repleto de criminalidade, tragédias e perdas de vidas humanas. No início do ocorrido a cobertura midiática muitas vezes focava apenas em seus atos criminosos do Sandro, porém outro lado da história começou a vir à tona, as complexas circunstâncias que o levaram a cometer tais ações.
Isso contribuiu para uma narrativa que o retratava como um vilão sem considerar o contexto de sua vida e experiências traumáticas.
Cobertura extensa e interesse do público
A morte de uma pessoa conhecida gera curiosidade e interesse do público, dessa forma, a cobertura feita pela mídia muitas vezes pode se tornar extensa demais, isso pode incluir uma cobertura contínua sobre o assunto. Com grande relevância na história do Chile, Augusto Pinochet,é pintado como uma figura controversa por dividir opiniões sobre seu estilo de governo. Isso leva a sociedade a querer saber mais sobre a vida e carreira da pessoa, suas contribuições e impactos.
Após sua morte, em 2006, houve diferentes reações e avaliações de seu legado. Alguns o consideram um herói que salvou o Chile do comunismo e promoveu reformas econômicas, enquanto outros o veem como um ditador que cometeu graves violações dos direitos humanos como prisões, tortura e execuções. A forma como a mídia dissemina todos os feitos realizados por um líder podem mostrar como ele impactou o mundo.
A nível internacional a morte de Pinochet recebeu ampla cobertura nos principais meios de comunicação, os noticiários destacaram sua liderança durante o golpe de Estado de 1973. Alguns destacaram o apoio que recebeu dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, enquanto outros mencionaram as críticas internacionais a suas ações. No Chile, a cobertura dividiu o país, com o luto dos seus apoiadores e ao mesmo tempo houve uma celebração por parte das vítimas de seu regime.
O que para muitos pode ser caracterizado como o fim de ciclo onde se encerra as funções humanas vitais, sociais e uma fase da vida. Para outros esse término definitivo pode demonstrar a possibilidade para a mudança de perspectiva sobre caráter e a natureza das pessoas, e de certa forma endeusando essas figuras. Diante disso a influência da mídia é um fator atual que desempenha um papel importante na formação do legado póstumo dessas pessoas, pois a forma como são disseminados matam esses deuses.