Apropriador cultural não, otaku
- 20 de setembro de 2023
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- Theillyson Lima
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Você é o que segue, curte, assiste e escuta.
Sâmilla Oliveira
Você já se pegou falando ou agindo igual a alguém que viu na TV? Já se percebeu tomando alguma atitude que um personagem da sua série favorita também tomaria? A tendência de imitar o comportamento e os costumes de celebridades tem ficado cada vez mais conhecida. Mais especificamente, falando de celebridades asiáticas, os otakus dominam o lugar de fala quando nos referimos à imitação de personalidade em outra cultura.
オタク? Calma, a página não trocou aleatoriamente o idioma do texto. Otaku, como se lê esse ideograma, é a palavra que se refere a pessoas que são super fãs das produções asiáticas. Estamos falando de animes, mangás, romances gráficos e videogames japoneses. Olhe ao redor e reflita se você já conheceu alguém que não passa um dia sem assistir um episódio de anime, que compra itens relacionados a cultura asiática por pura admiração ou que às vezes até se veste como os personagens. Visualizou alguém? Essa pessoa é um otaku.
Compra de objetos relacionados ao Japão, interesse pela língua, gastronomia, história e músicas dessa cultura são alguns dos exemplos dos costumes desses fãs. De acordo com uma publicação da Intersections in Communication, a nomenclatura Otaku começou a ser usada no final de 1970. Pessoas com um “carinho obsessivo” por qualquer assunto relacionado a cultura japonesa foi a definição dada pelo artigo.
Agora, cá entre nós… Carinho obsessivo? Me pergunto como uma cultura pode ser tão apaixonante. Milhares de países diferentes e singularmente interessantes, por que justo a cultura japonesa, que está geograficamente tão distante de nós, chama tanta atenção?
Precisamos entender o que a mídia asiática faz para despertar em um brasileiro o desejo por aprender coreano, japonês e inúmeros outros dialetos que não estão nem perto de serem ensinados na escola brasileira. De onde vem a influência que faz tantas pessoas mudarem sua personalidade?
Como a cultura chegou aqui
Há quem diga que os roteiros asiáticos são mais românticos e envolventes, e que por isso o maior interesse do público é justificado. Um artigo apresentado no Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, explica que o mercado de mangá e animê teve seu “boom” no Brasil no final da década de 90 e início dos anos 2000. A princípio, com produções japonesas que já tinham obtido sucesso primeiramente no Japão e, depois, nos Estados Unidos e Europa.
A Folha Online divulgou um artigo que destaca o Brasil como pioneiro, no contexto ocidental, no consumo de quadrinhos japoneses. De acordo com a jornalista Dayanne Mikevis, os imigrantes que chegaram ao país na década de 50 também trouxeram consigo suas próprias cópias de mangás, o que lhes permitiu manter seus hábitos de leitura e, de certa forma, preservar a língua japonesa.
A verdade é que com os imigrantes, a cultura pop japonesa atingiu a mídia ocidental e por isso ela frequentemente é foco de estudos dentro e fora do Japão. Com o tempo, os animes roubaram uma parte do horário nobre dos desenhos animados ocidentais.
Mídia nipocoreana, brasileira!
O desenho animado “Speed Racer” foi um dos primeiros produtos japoneses a ter sucesso no Brasil. Aproveitando a presença significativa da comunidade japonesa no país, aos poucos, também se tornou comum a ascensão de séries televisivas, como “Jaspion” e “Jiraya”, conquistando cada vez mais a audiência infantil nas décadas de 80 e 90. Desde então, as novidades nos videogames e na internet contribuíram significativamente para fortalecer a influência da cultura pop japonesa e coreana.
Indo para além do segmento televisivo, também não é de hoje que podemos observar adolescentes e jovens concentrados em jogos do famoso personagem principal da série Pokémon e suas variações. 24 jogos da série principal foram lançados até agora. Se levarmos em consideração spin-offs, games mobile e produções de outros desenvolvedores, o número sobe para 103 títulos.
Não precisamos de muito para notar que o Japão e a Coreia são epicentros da cultura pop global. Os japoneses, em especial, são donos de um mercado de entretenimento bilionário que não para de crescer. Prova disso é a onda de influência que chegou ao Brasil, desta vez trazida pelos fãs de Pokémon há alguns anos.
Que bicho é esse?
A palavra pokémon é a contração de duas palavras em inglês: pocket, que quer dizer bolso; e monster, que significa monstro. Ou seja, um pokémon é como um “monstro de bolso”, se traduzirmos literalmente. O jogo Pokémon Go é baseado na franquia de mídia criada em 1995 por Satoshi Tajiri, que gira em torno de mini monstros chamados de Pokémons. Essas mini criaturas são capturadas e treinadas por humanos para competir entre si.
Lançado em 1996 no Japão, o anime e os jogos conquistaram o coração dos jovens brasileiros com o passar do tempo. Lembra da febre em 2016? Pessoas perdidas pelas ruas “caçando” Pokémons com realidade aumentada. A onda dos monstrinhos de bolso foi tão forte que se tornou um marco na adolescência de muitos brasileiros. Ouso dizer que por causa de Pokémon, uma nova geração de fãs foi introduzida à cultura japonesa.
As fronteiras estão no chão
O legado do interesse pela cultura “alheia” segue influenciando a forma como os jovens brasileiros usam o seu tempo, assim como a maneira como se relacionam com a cultura pop asiática, que não se esgota nos produtos japoneses.
Hoje está claro que inúmeros comportamentos se originaram de toda essa influência. Como exemplo, eu não poderia parar por aqui sem citar o fenômeno do “Cosplay”, que envolve a prática de se vestir e “encarnar” personagens icônicos de jogos, quadrinhos, mangás, animes, filmes ou qualquer outra coisa que remeta a cultura asiática. E acredite em mim: qualquer outra coisa mesmo. Os otakus não estão para brincadeira no quesito fantasia.
Nada surpreendente que o Brasil tenha se destacado como um dos países mais receptivos a esse novo mundo. Isso se deve, em parte, à presença histórica de imigrantes que trouxeram consigo suas tradições e paixões e disseminaram o interesse pelos produtos de entretenimento do seu país. Mas, quanto à outra parte, é claro que darei os créditos para a famosa simpatia e hospitalidade brasileira.
O fato é que a influência dessas culturas ultrapassou fronteiras para ser um fenômeno global que molda não apenas preferências midiáticas, mas o estilo de vida de muitos brasileiros. Esse fenômeno é, sem dúvida, um reflexo da capacidade da comunicação de unir pessoas de diferentes origens em um interesse comum. Graças a esse movimento, hoje mesmo você pode viajar para o outro lado do mundo para apreciar a riqueza de diferentes expressões culturais, através do entretenimento. Se for da sua vontade ir até lá, 道中ご無事に (Boa viagem)!