Futebol feminino: segurança e ética nos gramados
- 30 de agosto de 2023
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- Theillyson Lima
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Com jogo limpo e ambiente mais seguro, o futebol feminino tem deixado o masculino no chinelo quando se fala de ética.
Camilly Inacio
Enquanto os holofotes midiáticos frequentemente iluminam o cenário do futebol masculino, pouco se fala sobre as notáveis virtudes presentes no futebol feminino. Num ambiente em que a desigualdade de visibilidade persiste, é inegável que a modalidade feminina muitas vezes oferece uma abordagem mais refinada e respeitosa ao esporte.
Em meio ao tumulto dos estádios e ao fervor das torcidas, muitas vezes deixamos passar despercebidos os pontos positivos que apenas o futebol feminino oferece, mostrando-se mais do que uma alternativa, mas sim um exemplo de virtudes que superam a modalidade masculina.
O futebol masculino, com suas atitudes impulsivas e reações acaloradas diante de decisões arbitrárias, frequentemente deixa a desejar no quesito ética esportiva, com diversos momentos de conduta antidesportiva e desrespeito aos árbitros e a outros jogadores. Enquanto isso, as jogadoras demonstram uma abordagem admirável ao respeito às regras e às figuras de autoridade, criando uma atmosfera em que a competição se desenrola com base na verdadeira essência do jogo.
Além disso, as jogadas menos violentas e a ênfase na competição justa e no respeito mútuo são pontos inegáveis a favor do futebol feminino. Nos gramados masculinos, as câmeras frequentemente capturam cenas de lances brutais, atitudes impróprias, e simulações excessivas.
Em contrapartida, as jogadoras se destacam pelo jogo mais limpo e pela busca da vitória por meio da técnica e do esforço coletivo. Essa ética demonstrada proporciona uma experiência esportiva mais cativante para os espectadores. A ênfase na vitória por meio da capacidade técnica e da colaboração em vez da força bruta é uma lição que os homens poderiam incorporar para elevar o nível do esporte.
Violência dentro e fora do campo
Exemplo do que foi citado pode ser notado ao pesquisar sobre violência no futebol. Ao colocar “casos de violência no futebol masculino” na aba de pesquisa do google, automaticamente aparecem diversos casos de jogadores que agrediram e/ou foram agredidos, além de diversos episódios de brigas entre torcedores.
Mas ao fazer a mesma pesquisa trocando o masculino pelo feminino, o que aparece são casos de mulheres que foram agredidas por machismo e outros tipos de violência com jogadoras e torcedoras, cometidos por torcedores da modalidade masculina.
É óbvio que a violência não é inexistente no campo feminino, mas a proporção é absurdamente maior quando comparada aos jogos da categoria masculina. Enquanto um caso de briga entre torcedoras ou desrespeito com os árbitros acontece no campo feminino, são vistos dezenas, ou, arrisco dizer, centenas de casos em campo masculino.
Podemos facilmente lembrar de grandes rivais do futebol brasileiro que muitas vezes resultam em violência, como Flamengo x. Fluminense, Corinthians x Palmeiras e Grêmio x Internacional. Esses clássicos frequentemente são palco de confrontos entre torcedores, seja dentro ou fora dos estádios.
Um exemplo foi quando um ônibus da equipe do Corinthians foi atacado em 2009. O veículo virou alvo de pedras e latas de cerveja atiradas por torcedores são-paulinos horas antes de um clássico contra o São Paulo na semifinal do Campeonato Paulista.
Neste ano, após o clássico Fla x Flu, torcedores do Flamengo e do Fluminense se envolveram em uma briga nas proximidades do Maracanã. O conflito ocorreu na passarela que liga o estádio à estação de trem e metrô. A Polícia Militar interveio, usando cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a confusão.
Além disso, recentemente Pedro, jogador do Flamengo, foi agredido com um soco no rosto pelo preparador físico de Jorge Sampaoli, Pablo Fernández, durante uma partida contra o Atlético-MG. O ato teve fim com a saída do preparador físico do clube.
E poucos dias depois uma nova agressão foi registrada. Quando os jogadores do Flamengo Gerson e Varela se desentenderam durante o treinamento da manhã. O primeiro acertou um soco no segundo, que acabou fraturando o nariz.
Esses são apenas alguns dos inúmeros casos de violência no futebol. Infelizmente, esse esporte, principalmente no Brasil, tem uma história marcada por vários casos de violência envolvendo jogadores, torcedores e até mesmo incidentes dentro e fora dos estádios.
Além da violência, fingir ou simular lesões no futebol masculino é uma prática muito utilizada e visa enganar os árbitros e ganhar vantagem no jogo. Quando se fala sobre esse tema, é difícil não lembrar de Neymar. O jogador já foi alvo de críticas por sua tendência a simular faltas e ampliar contatos durante as partidas. Suas reações dramáticas em situações de mínimo contato geraram controvérsia em várias ocasiões.
Ambiente seguro
No entanto, o futebol feminino tem despertado a atenção de muitas pessoas pelo cenário oposto. Torcedores da modalidade afirmam que o ambiente do futebol feminino é muito mais seguro, com menos vulgaridade, embriaguez e agressões físicas e verbais que às vezes sofriam no ambiente do futebol masculino.
“No futebol masculino, há episódios de ódio e racismo que não vemos no futebol feminino, onde prevalece um ambiente de movimento social mais respeitoso e, mais do que as cores, também se celebra a oportunidade e a luta das jogadoras”, afirmou uma especialista, em uma entrevista à BBC News Mundo.
Neste duelo de gêneros esportivos, é tempo de questionar a superioridade tradicional do futebol masculino e reconhecer que as mulheres não estão apenas jogando, mas oferecendo uma nova perspectiva do que o esporte pode ser.
Por que existe tamanho desinteresse?
Apesar do progresso no futebol feminino, persiste uma notável desigualdade em comparação com o masculino. Entre as justificativas para a falta de interesse na modalidade muitas envolvem a discrepância nos lucros das competições, a qualidade inferior de jogo e a limitada cobertura midiática dos jogos.
Tais queixas acabam se tornando um ciclo vicioso que não permite o avanço. A falta de atenção dada ao futebol feminino ao longo dos anos influenciou a maneira como as pessoas o percebem. Estereótipos arraigados sobre as capacidades das jogadoras e uma história de investimento desigual afetam o interesse público.
Mas entre os fatores enraizados está a familiaridade dos torcedores com o funcionamento do futebol masculino, que possui uma longa história e uma cultura estabelecida, com a qual os torcedores estão acostumados. Isso cria uma inércia que pode dificultar a aceitação e o engajamento com o futebol feminino, que é visto como algo novo ou diferente.
Além disso, o futebol masculino muitas vezes é associado a altos níveis de competição, intensidade e até mesmo certos aspectos mais controversos, como atitudes agressivas e, em alguns casos, violência.
Essa imagem moldou a percepção do que é o futebol, e os torcedores podem ter se acostumado a essa dinâmica. A transição para o futebol feminino, que pode ser percebido como menos físico ou menos emocional, pode gerar resistência entre aqueles que já estão habituados à intensidade do futebol masculino.
Por esses e outros motivos a ética superior e o jogo limpo não têm sido suficientes para atrair mais espectadores à modalidade feminina. Para superar esses desafios e atrair mais pessoas é necessário um esforço coletivo que inclua a promoção de valores éticos, investimento adequado, aumento da visibilidade na mídia e mudança de percepções de gênero. No entanto, uma mudança coletiva leva tempo, mesmo sendo fundamental para permitir que o futebol feminino alcance todo o seu potencial.