Reduzir medidas do futebol feminino seria reduzir a visibilidade do esporte
- 30 de agosto de 2023
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- Theillyson Lima
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A alta estatura das goleiras é um fator vantajoso para o time, mas a não presença dele não é o maior dos problemas.
Gabrielle Ramos
Ao se falar de futebol feminino, na maioria das vezes, as pessoas o relacionam com o futebol masculino. Essa comparação menospreza a categoria feminina uma vez que deixa a masculina sempre como superior e mais profissional. Dessa forma, para muitos brasileiros, o futebol feminino é ruim. Todo esse contexto levanta questionamentos sobre o que tornaria o esporte melhor e é dentro desta questão que entra a ideia: a redução das medidas do gramado e da trave tornaria o esporte melhor?
Segundo a FIFA, as dimensões dos gramados, tanto para o futebol feminino quanto para o masculino, são de 105 metros de comprimento por 68 metros de largura. Já a trave, possui 7,32 por 2,44 metros. Segundo estudos do NCD Risk Factor Collaboration, a média da altura da mulher brasileira é 1,62 metros. Ou seja, o espaço entre uma goleira de altura média e a trave é de 82 centímetros.
Na Copa do Mundo Feminina, a média de altura das 34 goleiras é 1,73 metro, sendo a mais alta a italiana Francesca Durante, com 1,81 metro. As mais baixas são Kaylin Swart, Karly Théus e Trân Thi Kim Thanh com 1,65 metro. A goleira titular brasileira, Letícia Izidoro Lima da Silva, tem 1,75 metro de altura.
Um esporte: duas histórias diferentes
Debater sobre a redução das dimensões da trave ou gramado é ignorar que a evolução do futebol feminino acontece em espaços de tempo diferentes do masculino. Afinal, é nítida a baixa estatura das goleiras brasileiras, mas esta também não era a realidade do futebol masculino há alguns anos?
A primeira aparição do futebol feminino no Brasil ocorreu na década de 1920, época em que os circos utilizavam a modalidade como parte do espetáculo. Até a década de 1940, o esporte só era praticado nas periferias, ou seja, não havia nada profissional. O pensamento da época era que o futebol havia sido feito apenas para homens.
Mas no início desta mesma década, a realidade mudou e para pior. Jogos que ocorreram no estádio do Pacaembu, ao invés de promover a modalidade, geraram revolta na sociedade. Em 1941, uma lei que proibia a prática de esportes que não fossem adequados à “natureza das mulheres” foi decretada. Em 1965, uma nova lei incluiu especificamente o “futebol” como modalidade proibida.
Até que na década de 70, esta lei foi revogada. Entretanto, foi apenas em 1983 que a modalidade feminina foi regulamentada pela federação e que calendários de jogos foram criados. O primeiro torneio internacional aconteceu 5 anos depois, na China, e foi organizado pela FIFA. Nessa ocasião, o Brasil conquistou a medalha de bronze nos pênaltis. Em 1991, a primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino foi organizada pela FIFA. Em 1996, a modalidade foi anexada nas Olimpíadas de Atlanta.
Durante praticamente 40 anos, as mulheres foram proibidas de jogar futebol, durante 40 anos o futebol feminino deixou de evoluir. Além disso, há um atraso de 61 anos entre as copas do mundo de futebol masculino e feminino, uma vez que a masculina já acontecia desde 1930. Portanto, dentre contextos completamente diferentes, é justa a comparação entre o futebol feminino e o masculino?
Meninas podem jogar futebol?
Historicamente, os jogadores de futebol masculino das décadas de 40 até 60 eram mais baixos e pouco desenvolvidos, se comparado aos dias de hoje. Mas com o tempo, esta realidade mudou. Da mesma forma, a altura das goleiras deve aumentar ao passo da evolução da modalidade feminina. Contudo, essa mudança vai acontecer levando em consideração os 40 anos de atraso do futebol feminino.
Segundo a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), dados de 2020, a média de altura de 16 jogadoras, sem contar a líbero, é de 1,84 na seleção. Esse dado mostra que existem mulheres altas no Brasil, que praticam esportes e que poderiam estar jogando futebol. Entretanto, o futebol feminino é incentivado como um esporte para meninas?
A resposta é não, afinal, na maioria das vezes as meninas são incentivadas a jogar outros esportes, como vôlei e basquete, por serem considerados mais “femininos”. Além disso, quando uma menina quer investir suas habilidades no esporte, muitas vezes é obrigada a dividir espaço com os meninos. Exemplo disso é quando não existem meninas suficientes para a abertura de uma turma feminina numa escolinha de futebol. Dessa forma, uma menina alta, que poderia ser goleira, acaba praticando outros esportes.
A altura das goleiras não é o problema
Apesar da altura ser um fator importante e gerar vantagem sob as goleiras, ser alta mas não ter habilidade não adianta em nada. Atualmente, as categorias de base masculinas possuem preparadores específicos para cada função. Assim, quando os jogadores chegam ao profissional, estão bem capacitados. Entretanto, essa realidade é bem diferente na feminina, na qual muitas jogadoras só passam a ter treinamentos separados na seleção.
Em uma reportagem do Globo Esporte sobre a evolução das goleiras no futebol feminino, um gráfico mostra todos os gols sofridos pela seleção brasileira de 1991 até 2021. Antes de 2021, muitas bolas entraram na parte de cima do gol. Já após este mesmo ano, a maioria dos gols sofridos foram na parte de baixo do gol. Esse dado mostra que houve uma mudança de realidade durante estes anos.
Segundo membros do grupo de Estudos Técnicos (GET) da FIFA, o bom desenvolvimento das goleiras foi considerado um dos motivos da menor quantidade de gols nessa Copa. Apesar das finalizações em direção ao gol terem aumentado, em comparação a Copa passada, o Mundial apresentou um aumento de defesas por partida de 71,2%, contra 68% em 2019.
Isso mostra que a altura da goleira da seleção feminina não é em si o problema, mas sim a falta de investimento em um treinamento específico. Desta forma, um bom posicionamento no jogo, treino de qualidade e táticas para ocupar da melhor forma os espaços do gol são de total importância. Mas para isso, é necessário investir em preparadores de goleiros desde a base.
Uma mudança inviável
A redução das medidas dos gols resultaria na fabricação de novas traves. Já a diminuição do campo, exigiria uma nova pintura nos gramados. Esta é uma realidade inviável no Brasil e no mundo, onde as partidas do futebol feminino e do masculino são disputadas nos mesmos locais. Afinal, esta mudança geraria uma despesa enorme e criaria a necessidade de ainda mais patrocinadores.
Se o futebol feminino não recebe tantos investimentos em comparação com o masculino, tornar a modalidade mais cara não seria ameaçá-la? Mas se esta mudança já é difícil no contexto profissional, imagina nas escolas, nos campos públicos das cidades, nos times com menores recursos financeiros. Quem iria financiar essa mudança?
Além disso, imaginar o contexto mundial torna tudo isso ainda mais inviável. Afinal, o Brasil não pode mudar o tamanho do campo e da trave sozinho. Esta mudança teria que acontecer a nível mundial e isso coloca em desvantagem os países que são menos desenvolvidos. Consequentemente, desvaloriza ainda mais o futebol feminino, que já não é visto com bons olhos por muitos.
Atraso ao quadrado
Outro fator que seria desencadeado com a mudança nas medidas é a adaptação das atletas que já estão acostumadas com os atuais tamanhos de trave e campo. Isso aumentaria ainda mais o atraso relativo ao futebol masculino, uma vez que as jogadoras precisariam adaptar as táticas e técnicas já conhecidas para as novas características da modalidade.
Tudo isso levaria tempo e dinheiro. Mas se é pra gastar e investir, por que não fazer isso com a realidade de agora? Ou seja, ao invés de gastar energia pensando em novas táticas de jogo ou trocando as traves e mudando a pintura do campo a cada partida, seria melhor investir no desenvolvimento das jogadoras, para que elas aumentem suas habilidades.
Além disso, investir no esporte desde a base aumentaria o número de meninas que praticam o esporte e, logicamente, seria possível aumentar a qualidade técnica do esporte. Agindo dessa maneira, a probabilidade de encontrar jogadoras com habilidades surpreendentes seria maior.