Esportes femininos de “sucesso”?
- 30 de agosto de 2023
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- Theillyson Lima
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Ginástica, tênis, golf, patinação, entre outros, são esportes considerados próprios para as mulheres. Por que há outros que não?
Cristina Levano
Muitas vezes quando o assunto ”atividades físicas para mulheres” surge na roda de conversas, eu escuto frases como “por que falamos disso? Mulher não gosta de esporte?”, “isso não é uma atividade de menina”, “futebol, simplesmente, não é do interesse feminino”, “a mulher é fraca demais para esse tipo de atividade física”, entre outras expressões.
O Brasil é conhecido por ser “o país do futebol”, o que explicaria porque quando se fala da mulher nos esportes, essa seja a primeira atividade que surge na cabeça das pessoas. Vale destacar que o futebol feminino é o esporte que ocupa os titulares nos jornais esportivos, isso quando decidem escrever sobre esportes femininos.
É fato que o futebol feminino tem estado no olho do furacão no Brasil, mas em muitas outras partes do mundo, outras modalidades esportivas também têm trilhado uma jornada de desafios em busca da igualdade, reconhecimento, respeito no cenário esportivo e seu merecido espaço na sociedade. Ainda assim, eles não são abordados.
O que me leva a perguntar: por que não se fala sobre os “perrengues” desses esportes, especialmente relacionados a participação da mulher neles? O que é considerado um esporte feminino de sucesso? Ou melhor, o que é considerado esporte para mulher?
A elegância chamada de “fraqueza”
Eu sou uma das pessoas que gosta muito de assistir competições de ginástica artística e patinação em gelo. Confesso que fazer um desses esportes é um dos meus “sonhos frustrados”. Sempre me impressionou a elegância, técnica, criatividade, graça, força e o talento que os profissionais nesses esportes demonstraram.
Eles proporcionam um espaço para as mulheres competirem e brilharem, ao mesmo tempo que criam disciplina, trabalham a autoconfiança e vão superando desafios. No entanto, não são muitos os que apreciam o esforço, determinação, dedicação, nem a força desses atletas. Pelo contrário, colocam em foco suas aparências em detrimento de suas realizações e conquistas esportivas. Inclusive, alguns pensam que as atletas que praticam esse tipo de esportes são fracas, mas elas são mais fortes do que imaginam.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Revista Brasileira de Medicina e Esporte, a ginástica olímpica impõe intensidade de treinamento, por vezes, muito acentuada, com forças de reação no solo que podem alcançar até 15 vezes o peso corporal da ginasta. Esse é um problema oculto. Me questiono: por que nos esportes considerados de “sucesso” as mulheres são vistas como fracas?
Em entrevista para a ESPN Brasil, Rebeca de Andrade, ginasta artística brasileira, e campeã nacional e mundial narrou que como atleta feminina “você tem que provar que você é boa no seu esporte, você tem que provar que é boa no seu trabalho, no lugar onde você exerce a sua posição, além de ser uma boa mãe, enfim. É como se fosse uma obrigação demonstrar que você é ótima, mas não precisa disso”. Lamentavelmente, a trilha na jornada para mudar esse problema é difícil.
Não é apropriado
“Vai fazer uma coisa de menina!” falaram pra Yndiara Asp, skatista profissional e atleta olímpica brasileira, um dia que estava indo a andar de skate a deixando incomodada. Aparentemente o skate park não era um esporte apropriado para uma menina.
A experiência da skatista foi o que me levou a perguntar quais atividades são apropriadas para as mulheres. Minha admiração pela ginástica e patinação, nunca foi questionada por ninguém, pois eram esportes “apropriados” para menina. Mas o que significa “apropriado”?.
De acordo com o dicionário Priberam, “apropriado” é um adjetivo utilizado para definir algo que é bom, próprio e adequado para determinado lugar, grupo de pessoas, objetos, etc.
Então, falando nesse contexto, se os esportes chamados de “apropriados” são os que se caracterizam por mostrar a leveza, graça e delicadeza das mulheres, então os inapropriados seriam os de impolidez, aspereza, que implicam contato? São tais como artes marciais (judô, taekwondo e boxe), basquete, futebol, etc.
Um pouco de história
A questão de quais atividades são apropriadas para as damas começam desde o início da história de alguns esportes. As corridas de cavalo, que embora sejam frequentemente associadas à elite e aos círculos aristocráticos, em algumas culturas já tiveram início como uma forma de competição informal entre trabalhadores rurais e urbanos.
Assim também aconteceu com o futebol, que em suas raízes era visto como um esporte para pessoas menos privilegiadas da sociedade. No início, o futebol era jogado em campos improvisados, favelas, frequentemente em áreas urbanas densamente povoadas e em bairros operários.
Realizar esse tipo de esportes era um impedimento para alcançar o objetivo de vida da época. Imagine para as mulheres! Mas, atualmente, não tem motivo para ser assim. As mulheres deveriam ter um espaço para se desenvolver na atividade física da sua escolha e ser tratadas com respeito.
Afinal quem tem o poder de definir o que é apropriado para menina ou não? como disse Yndiara “não é por ser menina que eu não posso andar de Skate”. A única que pode decidir se uma mulher consegue realizar algo é a própria mulher.
Falta de valorização e desigualdade
A skatista brasileira afirmou em uma entrevista para a ESPN Brasil, que as atletas femininas não são reconhecidas nem valorizadas. “Nos campeonatos o horário feminino de treino e de competição eram sempre os piores, treinamos no meio-dia, o horário com o sol mais forte, tínhamos menos tempo de treino, as premiações eram mais simples, mais baixas”.
Essa desigualdade esportiva não só está presente na falta respeito ao trabalho e esforço das atletas femininas, mas também na remuneração. Em quase a maioria dos esportes, as mulheres recebem salários significativamente menores em comparação com seus colegas masculinos, sendo o vôlei o único esporte no qual as meninas ganham mais que o sexo oposto, em determinadas situações.
A desigualdade salarial não apenas desvaloriza os esforços e realizações das mulheres, mas também perpetua um ciclo de injustiça, onde as atletas podem ser desencorajadas a buscar carreiras no esporte devido às limitações financeiras associadas.
Por isso, para alcançar uma igualdade genuína, é essencial abordar essa questão com urgência, promovendo políticas que assegurem que todos os atletas, independentemente do gênero, sejam recompensados justa e adequadamente pelo seu compromisso e talento no mundo esportivo brasileiro.
Aos olhos do povo, ou melhor, da mídia
Rebeca Andrade declara que ser uma atleta feminina “é ser forte, é ser carismática, é ter controle, é ser capaz, é ter força de vontade, é lutar todos os dias”. Ela assegura que o objetivo é mostrar para todos que as mulheres podem e automaticamente o mundo também vai ver isso.
A mídia tem condições para fazer uma diferença nessa situação, mas é visível a falta de cobertura justa e igualitária de todos os esportes femininos, além do futebol. A situação só piora. De igual maneira, muitas vezes, os filmes e séries retratam atletas femininas de maneira objetificada, enfatizando suas aparências físicas em lugar de suas realizações esportivas e habilidades. Esse tipo de representação contribui para a cultura da objetificação das mulheres, perpetuando estereótipos prejudiciais e minando os esforços para alcançar a igualdade de gênero no esporte.
Por exemplo, filmes como “Victory 1981” e “Bring It On” em várias ocasiões, terminam sexualizando as cheerleaders, usando trajes provocantes e enfatizando a aparência física ao invés das habilidades que elas têm.
Algo similar acontece com “Blue Crush”, um filme que segue a história de um grupo de mulheres surfistas. O longa-metragem é um claro exemplo de como até mesmo filmes que buscam celebrar as realizações das mulheres no esporte podem incorrer na armadilha da sexualização, reforçando estereótipos de gênero e enfraquecendo a mensagem de empoderamento que eles poderiam transmitir.
Isso só é uma mostra da necessidade de uma abordagem mais sensível e respeitosa na representação das mulheres no esporte em todas as formas de mídia, incluindo o cinema. De igual forma é preciso uma mudança na maneira como as atletas femininas são retratadas e enxergadas pela sociedade, assim como promover um ambiente em que todas as mulheres sejam valorizadas por suas conquistas e dedicação no campo esportivo.