Qual é a cara do hispano?
- 29 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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Um olhar diferente sobre esta comunidade, livre de preconceitos raciais.
Cristina Levano
Se existe um lugar mais movimentado do que um aeroporto internacional, eu não conheço. Se você já teve, em algum momento, a oportunidade de só observar as pessoas ao seu redor, independentemente do país onde esteja, é possível perceber a grande diferença entre as pessoas, desde a vestimenta até o tom de pele, incluindo as características faciais.
Durante algumas viagens, já tive a oportunidade de conhecer pessoas de diferentes países, principalmente da América do Sul. Na maioria das vezes, as conversas começam com uma clássica pergunta: “de onde você é?”, respondendo em algumas ocasiões com outra pergunta: “de onde você acha que eu sou?”.
Por mais que seja algo simples, o questionamento faz que a primeira pessoa mostre seu conhecimento ou ignorância no assunto, precisando escolher com cuidado as suas próximas palavras, pois corre o risco de dizer algo que possa ofender o outro. Isso porque descobrir a procedência de uma pessoa à primeira vista, se baseando nos estereótipos, perdão, “características físicas”, é difícil.
Essas experiências me levam a refletir e me perguntar “Como são descritas as pessoas do meu país?” Como se supõe que as pessoas de cada país devem se ver?”. Isso me intriga, principalmente com minha gente hispana.
Quem é o hispano?
Segundo a RAE (Real Academia Espanhola) e o Oxford Languages, o termo é relativo aos países da América que foram colonizados pela Espanha e que tem o espanhol como primeira língua oficial. Da mesma forma é relativo à Espanha, um país da Europa Ocidental, ou seus habitantes.
Só precisa ler, e pesquisar não mais de três segundos, para saber o significado desta palavra, e que países formam esta comunidade. Ainda assim, muitos relacionam o termo “Hispano” unicamente a países “hispano-americanos”, se esquecendo do fundador do termo, Espanha. Por isso, em mais de uma ocasião, se um brasileiro conhecesse a um espanhol, primeiro o chamaria de europeu, e não de hispano.
Mas vou te dar uma ajuda, os países que conformam a comunidade Hispana são: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Espanha, Equador, Guatemala, Guiné Equatorial (África), Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Vemos então que o hispano não se encontra apenas na América, chegando até África, algo que as pessoas não consideram ou desconhecem. Sempre ouvimos falar sobre a famosa “cara de hispano”, geralmente referida a uma pessoa que fala espanhol, que possui características faciais andinas, ou indígenas, assim com um tom de pele mais escuro. Existem hispanos com estas características, eles não são todos, inclusive, é possível achar três pessoas da comunidade que sejam do mesmo país, da mesma cidade e que um deles seja preto, o outro mestiço e outro branco.
Isso acontece porque o hispano não é uma raça, é uma origem étnica. Portanto, não deve haver supostas características físicas para determinar a procedência de um hispano, já que este é multiracial.
Os estereótipos podem gerar uma crise de identidade para os hispanos que não se encaixam no preconceito, chegando ao ponto de não saber como se auto-descrever. Isso é mostrado em um estudo do Centro Hispano PEW, feito em 2020, no qual 26,2 milhões de hispanos de raça única se identificam apenas como “alguma outra raça”, um grupo que inclui principalmente aqueles que escreveram em origem ou nacionalidade hispânica como sua raça, mas não outras características.
Já o próximo maior grupo, era de hispanos que descreveram que sua raça única era o branco (12,6 milhões), seguido pelos índios americanos (1,5 milhão), negros (1,2 milhão) e asiáticos (300.000).
Tal como acontece com a raça, os hispanos podem ter uma variedade de tons de pele. Outra pesquisa do mesmo centro, com adultos hispanos, mostrou aos entrevistados uma paleta de 10 cores de pele. Eles foram convidados a escolher qual deles mais se parecia com o seu. Os entrevistados relataram ter uma variedade de tons de pele, refletindo a diversidade dentro do grupo. Oito em cada dez hispanos selecionaram uma das quatro cores de pele mais claras, sendo a segunda mais clara a classificação mais comum (28%), seguida pela terceira (21%) e quarta cores mais claras (17%). Por outro lado, apenas 3% dos entrevistados latinos selecionaram uma das quatro cores de pele mais escuras.
Hispanos na mídia
Esses estereótipos são vistos inclusive ao procurar nos diversos bancos de fotos, ou no google images. É difícil achar alguma imagem que não reforça os estereótipos desta comunidade, pois a grande maioria só tem fotos de mexicanos (reconhecidos pela vestimenta, pois aparentemente nos países hispanos todo mundo vai com roupa típica estudar) e das pessoas que moram na zona andina da Bolívia, Peru, Equador, etc.
Nas fotos da comunidade Andina, usualmente os representam como pessoas que moram no meio das montanhas, em casinhas humildes e em extrema pobreza. Até certo ponto, isso representa uma parte dessa população, entretanto, nem todos são assim, e ao invés de mostrar a grande diversidade cultural e física que existe nestes países, terminam reforçando e criando estereótipos sobre esta comunidade.
Da mesma forma, se não é para falar de problemas no governo, ou algum desastre natural, notícias sobre os vizinhos do Brasil simplesmente não são de interesse público. Segundo o Relatório Anual de Inmigrantes 2022, foram registradas 258.241 solicitações de emigrantes, e dos três países destacados, dois deles são hispanos. Encabeçando a lista está Venezuela (174.945), seguida por imigrantes haitianos (33.533) e cubanos (11.425) que em conjunto concentraram 85,2% do total de solicitações de refúgio registradas no Brasil entre 2016 e 2021. Esse público, então, não é de interesse público?
Diferente de quando se fala sobre as supostas “terra das oportunidades”, América do Norte ou países europeus, as pautas dos jornais em sua maioria, narram só os momentos das crises nos países hispanos, (separando automaticamente a Espanha. As imagens das capas os tratam como pessoas que moram na poeira, protestando, com a pele cortada, vestimentas sujas, o que cria na mente do público padrões a figura de como é ou deve ser um hispano.
Além disso, esta comunidade é majoritariamente colocada como coitados nas suas reportagens, ou simplesmente não são o suficientemente interessantes para falar sobre, criando alguma forma o sentimento de superioridade ao leitor. Esse sentimento pode ser um dos motivos pelo qual o Brasil despreza a identidade latina (termo usado para descrever pessoas nascidas ou com ascendência de algum território do continente americano onde a língua principal vem do latim), mas ao mesmo tempo se considera líder da região, segundo uma pesquisa inédita chamada “The Americas and the World: Public Opinion and Foreign Policy” coordenada pelo Centro de Investigação e Docência em Economia (Cide) no México, em colaboração com universidades da região.
Em uma das perguntas, os entrevistados tinham que apontar os gentílicos e expressões com os quais mais se identificavam. A principal resposta foi “brasileiro” (79%), seguida por “cidadão do mundo” (13%), “latino-americano” (4%) e “sul-americano” (1%).
Discriminação chamada de “ignorância”
O preconceito de como deve ser a aparência dos hispanos, ainda é forte, devido a falta de conhecimento das pessoas e não só dos que não fazem parte da América Latina, mas também dos próprios hispanos. Assim como nos ofendemos com os preconceitos que os outros têm sobre nós, também reconhecemos que criamos estereótipos mentais dos nossos irmãos de países vizinhos, caindo no ciclo da ignorância.
Todos devem chegar a compreender que Bolívia não é Peru, Colômbia não é Equador, Argentina não é Uruguai, etc. São 22 países que formam esta comunidade, e cada uma delas tem regiões, têm famílias de descendências diferentes.
Porém, não é possível generalizar sobre como é visto um hispano ou qualquer estrangeiro, pois a aparência física e as características faciais variam muito entre as pessoas e dependem de vários fatores, como genética, etnia, alimentação, estilo de vida, entre outros. É importante evitar generalizações e estereótipos baseados na aparência física de uma pessoa e respeitar a diversidade cultural e étnica de cada indivíduo, afinal, quando isso não é feito, entramos na discriminação.