Política cômica: Mamonas Assassinas e a crítica como comédia
- 5 de outubro de 2022
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- Theillyson Lima
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A vida política dos Mamonas com músicas antigas e temas atemporais.
Helena Cardoso
Eu queria um apartamento no Guarujá
Mas o melhor que consegui foi um barraco em Itaquá
É assim que começa a música Money-1406, dos Mamonas Assassinas, um dos maiores sucessos da banda. Júlio Rasec, Bento Hinoto, Dinho e os irmãos Sérgio e Samuel Reoli se conheceram em Guarulhos e formaram o grupo brasileiro de rock cômico em 1989.
Levando uma vida muito simples e humilde, antes eram conhecidos como Utopia e faziam covers de outras bandas, como Legião Urbana. Nessa época, o grupo já tinha uma vida política, organizando e participando de comícios e campanhas para políticos de esquerda que apoiassem. Em uma dessas campanhas, escreveram o verso “vote certo, vote consciente. Geraldo deputado e Lula presidente”, e em outra ocasião, presentearam a líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com uma fantasia da mulher-maravilha, afirmando que ela é “uma mulher maravilhosa” e que “luta por um ideal muito bonito”.
De utopia para real
Com o tempo, veio o reconhecimento. Os músicos perceberam que as paródias autorais com humor escrachado eram muito mais bem recebidas pelo público do que os covers, e descobriram assim a fórmula para o sucesso. A banda, agora com o nome de Mamonas Assassinas, que antes limitava a política à vida pessoal, começou a incluir isso nas músicas.
Money-1406
O grupo nunca escondeu que seu objetivo era fazer críticas sociais em forma de comédia, e a música Money-1406 é a representação desse ideal. Ela critica o consumismo e as desigualdades sociais, além da desvalorização do trabalhador e a dificuldade de quem, mesmo se esforçando, ainda não consegue luxos (como mostram os dois primeiros versos).
Outro dos temas centrais é a propaganda exagerada que leva a querer coisas absurdas e desnecessárias, como “um avião”, “um colar de diamantes” e “um carro importado”. Até o “1406”, que é parte do título da música, faz referência ao início de números de televendas da época.
Para o clipe, um dos integrantes usou um chapéu dos Estados Unidos, já que o país é um dos maiores símbolos do capitalismo e consumismo. Por isso o refrão, além de fazer referência à situação econômica do Brasil, critica o uso de palavras em inglês para glamourização enquanto a cultura brasileira é desvalorizada:
Money
Que é good nóis no have (Have)
Se nóis hevasse nóis num tava aqui playando
Mas nóis precisa de worká
Robocop Gay
Outro grande exemplo de crítica social cantada é Robocop Gay, lançada em 1995. Na época, o Robocop era considerado um símbolo da masculinidade, e a música tenta quebrar a visão estereotipada que muitas pessoas tinham sobre homossexuais, mostrando que até mesmo o Robocop pode ser gay.
Hoje, a forma como Dinho se portava na performance da música seria considerada ofensiva, mas na época foi revolucionária. Em um período que a maior parte da população queria a morte de pessoas LGBTQ+, o rebolado e o figurino combinados com a letra da música tornava tudo “uma grande homenagem” (como eles mesmos gostavam de falar).
Gay também é gente
Baiano fala oxente
E come vatapá
Nesse trecho, a banda estava tentando mostrar que ser gay é algo tão normal quanto um baiano falar “oxente” e comer vatapá. Mesmo que nessa música tenham apenas dois versos dedicados à Bahia, Dinho (o vocalista baiano) fazia questão de enaltecer de onde viera durante entrevistas e na letra da música Jumento Celestino, que narra situações que ele e sua família passaram ao migrarem do Nordeste para São Paulo.
Jumento Celestino
A letra mostra a expectativa de Dinho para tentar uma vida melhor, porém, sendo frustrada ao encontrar apenas preconceito, com comentários maldosos sobre sua aparência (cabeção) e sobre o lugar de onde veio. Além da letra, o próprio gênero da música também é uma referência ao seu estado natal, pois o rock é misturado com o baião.
Política fora do palco
Além das músicas com fortes referências políticas e dos showmícios, suas atitudes cotidianas já deixavam claro quais eram seus posicionamentos. Em um show de sua primeira turnê, um fã, que estava causando confusão, foi agredido pelo segurança. Ao presenciarem a cena, Samuel e Dinho desceram do palco e interromperam o show. Enquanto Samuel explicava que “violência não se resolve com violência“, Dinho mostrava preocupação de que aquilo pudesse influenciar as crianças (que mesmo de forma não intencional, eram grande parte do público da banda).
Entretanto, a carreira, que disparou nos anos 90, durou pouco. Foram menos de sete meses entre o período de maior auge dos Mamonas Assassinas até sua morte em um trágico acidente de avião na volta de um show, em 1996. Porém, o sucesso da banda não foi embora junto com eles. Até hoje, milhares de fãs relembram com muita nostalgia do grupo e das músicas, com temas mais atuais do que nunca. Até hoje, milhares de fãs fazem questão de reafirmar que “o legado dos Mamonas Assassinas é eterno”.