Racionais MC’s: o meu canto é quem eu sou
- 5 de outubro de 2022
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- Theillyson Lima
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As questões sociais pautadas nas músicas e que, muitas vezes, não são notadas.
Bruno Sousa Gomes
Já parou para refletir que a música pode ser um instrumento político? Nenhuma composição vem do nada: todas possuem um propósito e impactos sobre a aprovação social, embora muitas vezes apreciamos algo sem saber de que maneira isso pode nos afetar ou o que queremos passar com aquilo.
O rap, desde o início, é utilizado para críticas sociais. Os ritmos intensos e as rimas poéticas contam o cotidiano dos bairros mais pobres das grandes cidades, integrando o contexto social, cultural e político em que está inserido. Apesar da dificuldade de crescimento do rap no decorrer dos anos, por estar sempre erroneamente associado à violência e periferia, hoje ele está muito bem integrado no cenário musical brasileiro, vencendo preconceitos, conseguindo atravessar fronteiras sociais e alcançar o grande público.
Racionais MCs
Referência do rap nacional, o Racionais nasceu em meados dos anos 80, quando Mano Brown e Ice Blue foram ver KL Jay e Edi Rock tocar no Clube do Rap, na Av. Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. Perceberam que essa junção de talentos poderia dar em alguma coisa. Inclusive, o nome do grupo vem de inspiração do Tim Maia que lançou o álbum chamado Racional.
Dentre vários eps e álbuns publicados desde 1988, o Racionais vem fazendo história, e registrando através das suas músicas a vida de quem mora na periferia de São Paulo. Um exemplo disso é as favelas nas quais os jovens usam a música para expressar sobre o que é vivido.
O Racionais impactou positivamente a vida de muitos jovens que estavam se entregando ao mundo das drogas, roubos, prostituição e crime. O álbum “Sobrevivendo no Inferno”, vendeu mais de 1 milhão e meio de cópias, fora as cópias piratas que eram febre naquela época. O álbum trazia várias pautas sociais e políticas sobre racismo, exclusão social e a luta por direitos.
No ano de 2018, o livro “Racionais MC ‘s -Sobrevivendo no Inferno” foi lançado pela Companhia das Letras e no ano de 2019 estava na lista de leitura obrigatória para realização do vestibular da UNICAMP (SP). A obra é uma grande relevância na história e contribui de forma social, política, econômica, religiosa e cultural.
Críticas sociais
O ano era 2002, quando foi lançado o álbum “Nada Melhor que um Dia Após o Outro”, eleito um dos melhores álbuns nacionais de todos os tempos, segundo a revista Rolling Stone. Entre as 18 músicas que compõem o álbum, as mais ouvidas são “Jesus Chorou”, “Negro Drama”, e “Da Ponte Pra Cá”, canções que retratam bem a situação vulnerável vivida pelo povo que mora na periferia de São Paulo.
Jesus Chorou
A música “Jesus Chorou”, escrita por Mano Brown, começa com a brincadeira de adivinhação “o que é? O que é?”. A intenção dele é passar o peso emocional sobre o que você sente quando está em um momento de reflexão. Retratando nos próximos versos “Clara e salgada , cabe em um olho e pesa uma tonelada”, fazendo semelhança a história de Jesus que mesmo sendo um homem tão forte, chorou.
A canção salienta a figura do homem negro periférico em termos do seu sofrimento psicológico derivado de uma estruturação socioeconômica, cultural e histórica exclusiva, além da questão da masculinidade e emocionalidade negra na sua construção caracterizada e no seu desenvolvimento social e familiar. Problematizações acerca desses lugares ocupados pelo homem negro periférico são endereçadas ao longo da música, reforçando a narrativa poética do Rap como recurso potente de visibilidade, resistência e autoria coletiva.
Negro Drama
A música “Negro Drama”, escrita por Edi Rock, conta bem a sua história. O negro que é julgado pela sua cor, seu cabelo crespo assim como se inicia os primeros versos da canção “Cabelo crespo e a pele escura”, pautando o preconceito racial que existe. Um estudo realizado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, confirma um diagnóstico antigo: jovens negros são as principais vítimas de violência. Entre os casos de homicídio, 92% das vítimas são homens e os negros têm 23,5% a mais de chances de serem assassinados, em comparação a brasileiros de outras raças.
Portanto, os versos seguintes descrevem “Me ver pobre, preso ou morto já é cultural”, algo que se tornou comum. Na década de 1990, época contemporânea a escrita da música “Negro Drama,” podemos apontar um aumento na violência policial aos negros da periferia de São Paulo. A música apresenta o estigma em que o homem negro carrega, uma especéie de pré-julgamento embutido em sua cor. Estigma esse que o acompanha geração após geração. Funcionando muito bem como uma música de protesto, “Negro Drama” soa como uma denúncia, sobretudo ao padrão do homem negro no imaginário social e cultural brasileiro.
Da ponte pra cá
A música “Da ponte pra cá” começa de uma forma bem descontraída com uma narração na rádio logo pela manhã, trazendo notícias do dia-a-dia. A canção foi pensada para mostrar a realidade de quem mora na Zona Sul de São Paulo, como cita o verso “o mundo é diferente da ponte pra cá” (citando a ponte João Dias, que separa o lado nobre da cidade, da comunidade).
Nos próximos versos cita “vinho branco para todos, um advogado bom”, já que do outro lado da avenida existe um Centro Empresarial e conglomerados de escritórios de grandes empresas nacionais e multinacionais, com o objetivo de mostrar a alta classe média que se instalou daquele lado da ponte.
O refrão da canção é bastante tocante. “O mundo é diferente da ponte pra cá, não adianta querer ser, tem que ter pra trocar”, conta a realidade sobre a diferença entre a desigualdade social presente ali. Se você não tem um bom emprego, um certo status na sociedade, você é visto como alguém comum.
Até o padrão de beleza feminino é pautado na música: “a mulher é mais linda, sensual e atraente”, como se a mulher do outro lado da ponte não tivesse sua beleza, afirmando que para ser bonita tem que usar salto alto, roupas chiques e uma maquiagem bem feita.
Denúncia em forma de música
As músicas dos Racionais MC’s querem despertar uma visão crítica ao ouvinte sobre a realidade dos bairros pobres, da condição social e identidade racial, para que criem sua própria imagem da realidade e da transformação do cotidiano. Eles transmitem, de forma sincera e humilde, o que foi vivido por eles. Todos os álbuns lançados foram sempre um ato de denúncia, discutindo sobre o crime, pobreza, preconceito social e racial, drogas e consciência política.