Mind Power – James Brown
- 5 de outubro de 2022
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- Theillyson Lima
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O pai do funk era político.
Lucas Pazzaglini
Você sabe.
Estamos a lidar com
Um momento muito crítico e crucial.
– Mind Power, James Brown
3 de março de 1933. Em um dos hospitais da cidade de Barnwell, Carolina do Sul, nasce James Joseph Brown Junior. O bebê veio ao mundo em meio a Grande Depressão Americana, sendo filho de pais desinteressados e, principalmente, preto, o que era sinônimo de uma vida repleta de adversidades e lutas.
Dito e feito. Com apenas dois anos de idade, o garoto foi abandonado pela mãe e passou a viver apenas com seu pai. Um pouco mais tarde, aos seis anos, foi obrigado a se mudar para o cabaré de sua tia.
Morar ou não com a tia parecia não fazer diferença, já que Brown passava longos períodos nas ruas tentando ganhar a vida de alguma forma. Vendeu selos, engraxou sapatos e dormiu em calçadas, em busca de um futuro melhor. A saída que ele encontrou foi durante o despertar do seu dom musical e, em meio a delitos inconsequentes e prisões, James Brown se encontrou nesse meio.
People Get Up And Drive Your Funky Soul – Levantem-se e balancem sua alma de funky
Funky Soul – tipo de música americana de origem negra com ritmos sincopados e em compasso binário. Combina elementos da música gospel, rhythm and blues e jazz.
James virou referência principal do estilo musical. Ele se tornou o Rei, ou o Pai, do Funky. Na época, o ritmo era diferente do que ouvimos hoje no Brasil, mas a essência é a mesma.
O Rei do Funky não era nenhum santo e músicas insinuantes sempre estiveram presentes em seu repertório, mas o legado deixado por ele não é definido apenas por essas letras, e sim pelo seu discurso de igualdade, sendo entre pretos e brancos ou entre homens e mulheres, Brown marcou presença e fez sua voz ser ouvida.
Say it loud – i’m black and i’m proud – Diga bem alto (sou negro e sou orgulhoso)
Quando se fala em James Brown, quase que automaticamente a pauta “Funk e Negritude” é abordada, porque é fato: o pai do funky é preto. Brown foi o um dos maiores artistas de todos os tempos, mas não apenas por vender mais de 100 milhões de cópias dos seus álbuns, mas sim porque ele não se contentava com o que lhe era dado.
Brown levantava debates e pautas políticas importantes dentro,e fora, de suas músicas. Um de seus grandes hits “funky president (people it ‘s bad)”, é um exemplo perfeito de um homem desinibido e comprometido com a mudança.
Durante a letra, em uma mistura de ritmos sedutores, sua marca registrada, James prega verdades duras sobre um governo falho: aborda o aumento de impostos, a queda de empregos e enobrece o proletário ao apontar suas lutas e força de vontade.
“Say it loud – i’m black and i’m proud” conta a história de um povo que foi oprimido mas que luta para ter seu lugar na sociedade. James canta do que sabe, porque ele vivenciou a opressão e a necessidade de tomar decisões controversas só pra chegar onde chegou.
Paid the cost to be the boss – Pagou o preço para ser o chefe
Em 1968 a corda bambeou aos pés do artista. Em 4 de abril Martin Luther King Júnior foi assassinado, coincidentemente Brown tinha um show em Boston no dia seguinte. Diante do crescimento das ameaças com relação a protestos e ações violentas, o governo decidiu que a apresentação seria transmitida ao vivo em todo país, como forma de acalmar os ânimos da população.
James Brown performou naquela noite, e o ato que por alguns é descrito como “heroico” por, teoricamente, ter evitado uma “guerra”, outros enxergam como só mais uma forma do “poder branco” exercer sua vontade sobre todos.
A estrela ficou manchada. Seu novo apelido se tornou “irmão vendido número 1”. Mas, estar onde ele estava não era fácil. James Sullivan, repórter e escritor, redigiu uma biografia de Brown, específica para essa circunstância, e em determinado momento da obra ele declara: “As celebridades negras costumavam obter mais destaque quando suas personalidades eram menos desafiadoras”.
A cada passo do estrelato James pagava o preço para ser o chefe. Mas, quem ele seria se voltasse para onde veio? Que mudanças ele poderia fazer? Todos o ouviam agora. Havia muita coisa em risco.
Living in America – Vivendo na America
Outro ponto, é que apesar de levantar pautas políticas e criticar o governo vigente, Brown era patriota. Ele amava a América (Estados Unidos), só não amava o que estavam fazendo com ela. Talvez seu ato “heroico” ao abafar a voz de uma nação com um show interativo fosse por conta desse seu lado.
Em “Living in America” James restitui a ideia do sonho americano, celebrando sua grandeza, seu vasto mar de oportunidades. Ele havia sido abraçado por essas chances, nada mais justo que retribuir com falas vazias sobre um país enganado por sua própria grandeza.
Thats Life – Assim é a vida
Brown soube usar as armas que tinha a seu dispor. Em alguns casos teve que pegar o caminho mais fácil, baixar a cabeça para se manter em pé, o que ele mesmo explora em sua música, mas honrou seu propósito de levantar debates e promover mudanças.
James Brown nasceu em um lar desestruturado, em meio a uma crise estadunidense, em um país que, mesmo que às escondidas, não o aceitava por sua cor, dormiu na rua, foi preso, enfrentou situações inimagináveis, mas pregou sua verdade, porque cada uma de suas músicas carregava sua “Soul” (alma) e, portanto, sua luta.
Créditos da foto: The New York Public Library.