O pensamento contrafactual e a obstinação pelo sucesso
- 1 de dezembro de 2021
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Quando a busca pelo ouro tira a glória da segunda colocação.
Mariana Santos
O segundo é o primeiro dos perdedores, pelo menos era assim que a lenda Ayrton Senna pensava. O terceiro lugar ainda consola o competidor por dar o alívio de terminar a sua participação ganhando a disputa do bronze, mas o segundo lugar é uma posição ingrata. O indivíduo pode se esforçar, superar cada um dos seus adversários, mas se ao chegar na grande final o indivíduo fracassar, a medalha se torna prêmio de consolação.
Uma pesquisa realizada na Universidade de Cornell foi organizada para entender o efeito da medalha de prata em competidores olímpicos. Vídeos de 40 atletas, ganhadores do primeiro e segundo lugar, foram analisados pelos psicólogos Victoria Medvec e Thomas Gilovich e o resultado foi o contrário do que o senso comum espera: os que ganharam medalha de bronze pareciam mais felizes do que aqueles que ganharam a prata.
Nem perto da derrota o suficiente para sentir alívio, nem bom o suficiente para ser chamado vencedor. É assim que funciona na maioria dos ambientes, inclusive no mundo corporativo que, com frequência, se parece com uma competição. Ser selecionado como segunda opção em um processo seletivo de apenas uma vaga faz com que muitos profissionais prefiram nem ter feito a entrevista de emprego.
É claro que em caso de exclusão, como no exemplo do processo seletivo, o segundo é de fato o primeiro dos perdedores, contudo, em situações em que há espaço para o pódio, essa linha de raciocínio se torna injusta e cruel.
Dentro da psicologia isso é o chamado pensamento contrafactual. Jorge Senos, doutor em psicologia aplicada explica que as ideias contrafactuais consistem em condicionar o pensamento em situações do tipo: “se tivesse corrido ‘x’ vezes mais rápido, teria ganhado o ouro”, correlacionando diretamente a prata à falta de velocidade. Mas isso não significa que a realidade concorde com o pensamento do atleta.
A busca pela vitória é consideravelmente cansativa e não está restrita ao mundo esportivo ou corporativo, o mesmo fenômeno pode ser observado de outras perspectivas em ambientes que envolvem indivíduos ainda em formação: os estudantes pré universitários.
Pode-se imaginar o seguinte cenário hipotético: uma Universidade oferece 45 vagas para vestibulandos, logo, apenas 45 jovens das centenas de alunos que fizeram a prova conseguirão entrar no ensino superior por essa porta. Neste cenário, o 45º estudante é o último dos vencedores e estará feliz assim como todos os outros recém universitários. Neste caso, a diferença está no prêmio, uma vez que, para a universidade, não existe diferença entre o primeiro, o segundo ou o vigésimo colocado. Todos passaram.
É justificável a frustração do esportista que não consegue o ouro, assim como é plenamente compreensível a insatisfação do profissional que não consegue a vaga desejada, entretanto a vida não pode ser condicionada à ilusória ideia de meritocracia. Nem todos que ganham merecem a vitória, assim como nem todos os que perdem faltaram em esforço ou cometeram erros.
Ao contrário da opinião do grande piloto Ayrton Senna, o segundo não é o primeiro dos perdedores, talvez por isso seja necessário ressignificar a valorização e colocar a trajetória no mesmo patamar que o resultado. Afinal, qualquer indivíduo que se dedique verdadeiramente a algo merece reconhecimento, seja qual for o resultado final.