Família tradicional brasileira
- 12 de maio de 2021
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Central do Brasil desafia o senso comum e traz à tona a questão: O que seria uma família ideal?
Isabela Vitória
Pai, mãe, e dois filhos, pode ser? Esse é esse o combo “família ideal” que nos é ensinado desde pequenos. Não importa o que aconteça, se alguém bate ou alguém apanha, se está completo, está correto. Afinal, lar não é lugar de amizade, mas de hierarquia.
O filme Central do Brasil nos guia a uma trajetória pelas famílias brasileiras. Algumas ideais, outras nem tanto. São mães solteiras, órfãos, casais separados pela distância, viúvas, moradores de rua e até mesmo algumas famílias “completas”.
Entre suas diferenças discrepantes, Josué e Dora têm algo em comum: a ausência de figuras paternas. Ambos cresceram abandonados por seus pais e brutalmente separados de suas mães. Juntos eles constroem a visão de família discutida durante todo o filme.
“Mas a senhora não tem marido?” pergunta o menino à Dora, assustado. Em 1998 a ideia de família realmente não era muito discutida. Como Dora conseguiria se manter sem um homem? Porque ela não tinha filhos? Mas com aquela idade?
Ao longo do filme, porém, Dora e o garoto criam laços tais quais de uma mãe com seu filho. Se tornam o que acredito ser uma família ideal. O carinho e preocupação entre os dois não era mais baseado em afeto por obrigação, mas reação natural de amor. Comportamento tal, era consequência de não existir entre eles uma relação necessariamente hierárquica, mas de dependência física e emocional.
Dora e Josué, cegos pela concepção de família tradicional, buscam incansavelmente pela peça faltante. Onde estaria o pai de Josué? Correndo atrás do inalcançável, deixavam de enxergar que já estavam no local certo, onde quer que estivessem, desde que juntos.
Naquela época, imagino que fosse realmente importante a representação de “homem da casa”. Os trabalhos que mais rendiam financeiramente necessitavam de força física e apresentavam muitos riscos à segurança. Porém, não se pode, nem mesmo nesse contexto, limitar a estrutura familiar ao âmbito de estabilidade financeira. Este elo não pode basear-se em elementos X ou Y, mas em laços de confiança e afeto.
A busca pela figura paterna tem fim quando o elo familiar se estabelece. A lembrança constante da ausência cai no esquecimento, pois é preenchido o lugar de Jesus, o pai. O filme trata o assunto com cautela. Mesmo que o pai de Josué fosse um moço bom, não era mais necessária sua presença, nem mesmo em memória. Em Dora havia tudo o que o garoto precisava.
Assim também acontece nas famílias que “carinhosamente” são chamadas de desestruturadas. Quem de fato determina o nível de estrutura familiar? Pode então, em um lar infeliz haver mais afeto apenas porque possui elementos X e Y?
A verdadeira família tradicional brasileira está no lar desestruturado de classe média-baixa, ou talvez nas mansões de família tradicional de classe alta, que beiram a costa do Rio de Janeiro. Fato é que, não existe um molde piloto para famílias bem-sucedidas, e nem mesmo pessoas que possam determinar com justiça quem é ou não tal coisa. A busca deve tomar outro rumo, tendo como objetivo um lar emocionalmente desenvolvido, onde os laços fraternos suprem a necessidade humana de companhia, e nada menos que isso.