O peso do dinheiro
- 30 de outubro de 2019
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- Thamires Mattos
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No Estadão, se constata um problema que ultrapassa o racismo: o tratamento de classes
Djuliane Rodrigues
Na obra “Utopia”, do escritor inglês Thomas More, é retratada uma sociedade “perfeita”, na qual o corpo social padroniza-se pela ausência de conflitos e problemas. No entanto, o que se observa na realidade contemporânea é o oposto do que o autor prega, uma vez que o preconceito ainda persiste no panorama midiático e apresenta barreiras, as quais dificultam a concretização dos planos de More. Esse cenário antagônico é fruto tanto da ideia hierárquica implantada pelos portugueses ao migrarem para o Brasil, trazendo africanos como escravos, quanto do valor dado a uma pessoa medido pelo seu poder aquisitivo na sociedade.
Nos maiores jornais do país, há sempre uma cautela ao mencionar jovens brancos, loiros ou ricos em um envolvimento com crime. Os termos mais usados para suavizar o delito dessas pessoas são: “o jovem”, “o estudante”, “o rapaz” ou “o indivíduo”. Partindo desta incongruência, ao se tratar de um negro, o jornal Estadão não mediu esforços para categorizar André de Oliveira, mais conhecido como André do Rap, de traficante ou líder da máfia. A reportagem saiu do site do jornal em setembro deste ano. Ele é um dos principais líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) no tráfico de drogas. André foi acusado de comandar o esquema de envio de drogas da facção criminosa à Europa, principalmente para a Itália, através de navios que saíam do Porto de Santos, no litoral sul paulista. Para a mídia, ele tem todas as características necessárias para ser descrito como um traficante, bandido, assaltante, criminoso, entre outros: afinal, é negro e veio de uma família de classe média baixa.
Os meios de comunicação tornaram-se uma das armas mais eficazes no combate ao preconceito racial. No entanto, ainda se nota uma deficiência ao construir notícias que explicitem o tema. No caso da prisão do cantor Belo em maio de 2002, por exemplo, o Estadão publicou uma matéria afirmando que ele teria sido indiciado por associação com tráfico. A reportagem frisou, em inúmeras partes do texto, que Belo era cantor de pagode, namorado de Viviane Araújo, e que se comunicava com o traficante Valdir Ferreira, o Vado. Em momento algum o artista foi mencionado como um traficante ou criminoso. Belo recebia ligações de traficantes do Complexo do Jacarezinho. Nas ligações, Vado pede dinheiro a Belo para comprar “tecido fino” (cocaína) e recebe em troca o pedido de um “tênis AR” (fuzil AR 15). Na ocasião, o cantor estava ganhando muita visibilidade no mundo da música. Era o auge de sua carreira. Por conta disso, mesmo sendo preso, Belo ainda podia fazer shows à noite. Note: nos dois casos mencionados, ambos atuaram com o tráfico, mas o tratamento midiático foi diferente.
Neste cenário, há um ponto intrigante: André do Rap e Belo eram negros. Então, onde estava o preconceito racial? O problema é maior que isso. Não somente houve preconceito explícito como também diferença no tratamento de classes, no qual o menos favorecido se torna sempre o marginal da história.