Criminoso ou empresário?
- 30 de outubro de 2019
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- Thamires Mattos
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O Portal IstoÉ reforça preconceitos e diferenças de abordagem a pessoas de diferentes classes
Walace Ávila
O portal online de notícias da revista semanal IstoÉ não traz notícias do dia-a-dia produzidas pela redação do periódico. A revista, que, hoje, trata majoritariamente do mundo do entretenimento, contém materiais replicados de terceiros em assuntos como esporte, economia, política e geral. Os dois veículos mais utilizados são a Agência Estadão, pertencente ao jornal de mesmo nome, e O Dia, que tem seu portal de notícias voltado para o estado do Rio de Janeiro. As matérias repostadas no Portal da IstoÉ são encurtadas e adaptadas em notas. No espaço para autoria da matéria, vemos o nome do portal original de onde a matéria saiu.
Mesmo diante da dinâmica de postagem e repostagem do portal IstoÉ, pude encontrar uma matéria, gerada pelo Estadão Conteúdo, que chamou a atenção pela manchete: “Juiz condena empresário por tentar enviar 760 Kg cocaína em carga de fubá”. Isso se refere a um ocorrido em 2017 que envolveu o empresário Bruno Lamego Alves, suspeito por tráfico internacional de drogas. Dois anos após o caso, Alves foi sentenciado pelo Juiz Federal de Santos de ser o responsável por tentar enviar à Europa 27 malas com cocaína. A condenação foi de cinco anos e 10 meses de prisão, além de multas por tráfico internacional.
O ponto em que chamo atenção na matéria está justamente no uso das palavras da manchete e como a pequena nota adaptada trata o caso. O nome e a função do indivíduo são usados e enfatizados pelo autor. Bruno é empresário, membro da classe alta, sócio de três empresas com sede no Guarujá, mora em Santos e ficou dois anos solto até que as investigações da Polícia Federal chegassem até ele. Em suas redes sociais, possuía fotos e vídeos com famosos e políticos. O termo “traficante” não é usado no texto para se referir ao empresário em momento algum. O adjetivo “criminoso” também não é citado, apesar de a matéria sair após a condenação do traficante.
Em paralelo com a notícia do empresário da cocaína, no dia 15 de outubro, a IstoÉ replicou uma matéria do portal O Dia com a seguinte manchete: “Chefe do tráfico de drogas do Complexo do Chapadão é preso na Baixada Fluminense”. A diferença entre as duas manchetes é perceptível. Já nomeado como “chefe do tráfico”, Rodrigo Nunes de Moura, conhecido com Berg e um dos chefes do tráfico de drogas da favela do Chapadão, Zona Norte do Rio de Janeiro, estava foragido. A recompensa por informações sobre o paradeiro do criminoso era de mil reais, de acordo com o portal.
A diferença de classes sociais fica mais forte aoa analisarmos a abordagem da matéria sobre Rodrigo. Negro e morador da favela, apesar de seus crimes confirmados, Berg recebe da mídia carioca certa ênfase nos nomes ‘’criminoso” e “chefe do tráfico”, enquanto Bruno Lamego é citado apenas como empresário que “tentou enviar drogas para a Europa”. De fato, o portal IstoÉ apenas replica material já produzido por terceiros, em que certos preconceitos de classe e racismo já se fazem presentes. Mesmo assim, mesmo após um processo de adaptação das notícias para notas mais curtas, a IstoÉ carrega e ajuda a corroborar com a distinção de abordagens nos crimes de indivíduos de diferentes classes.