Movidos à base de piada
- 20 de maio de 2019
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- Thamires Mattos
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Rafaela Vitorino
Eugênio fora um rapaz extremamente extrovertido. As moças se encantavam nem tanto por sua beleza – que faltava –, mas pelo seu jeito descontraído de levar a vida. Os amigos o admiravam, os inimigos o invejavam, e as mulheres riam e se deliciavam. Como todos a sua volta, passar um dia sem contar uma piada era impossível. Mas ele era melhor. O humor lhe era irresistível. Um sorriso estampado no rosto aqui e ali, fruto de suas palavras. Sorria e levava outros a sorrir. Mas, um dia, Eugênio perdeu a graça. Como que de repente. As pessoas dizem que transformações são progressivas e demoradas, e, na maioria dos casos, realmente o são. Eugênio foi exceção. Eugênio mudou, murchou, e, na fala de alguns, “desatinou!”. Foi pego lendo e duvidava de tudo e de todos. Ah, há quanto tempo não viam um livro! Eugênio ficou sério e passou a criticar. Criticava tanto a si quanto aos outros. E talvez fosse isso que mais os incomodava. Acomodados com a situação e consigo mesmos. Críticas lhes causavam arrepios. Mudança não era comum no vocabulário daquela gente. Preferiam antônimos; “conformismo”, “constância” e “persistência”. Essa última, não no sentido de persistir em mudança, mas sim de não sair de onde se está. Não paravam. Estavam o tempo todo para lá e para cá. De cá para lá. Em nenhum e em todos os lados. Mas Eugênio destoava. Estava parado.
Lá pelos seus 30 anos, parou, e não quis mais andar como antes. Alguns até prestavam condolências e se punham a tentar entender o porquê do estado daquele que um dia fora tão querido e amigo. Já não era mais. Não é porque não tem mais graça, e o que não tem graça, é descartável. A graça percorria os ares por onde quer que se passasse. Estava em volta até mesmo de Eugênio. Mas não envolta. Por todos os lados, não dava para escapar de se conviver com ela. Porém, dava para abandoná-la. Retirá-la de si, mesmo que parecesse sangrar. Tirar a capa de humor envolta em um corpo que ao revelar-se sem, era tido como aberração. Ao conceito de loucura, se atreviam a relacionar o “sem humor”. “Como pode não rir? Para onde foi o senso de humor e as piadas sem escrúpulos que tanto adoramos, contamos e compartilhamos?”. A realidade se fundia com o virtual. Uma conta online sem piadas e humor era como a vida miserável de um homem como Eugênio. Miserável, pobre, cego e nu o homem que não conta piadas ou compartilha memes.
Eugênio parecia único. Não único como uma carta rara de coleção, a qual torcemos para comprar no pacote de figurinhas. Mas como o legume deformado deixado de lado até apodrecer nas prateleiras do supermercado. Por onde ia, ninguém se agradava. Causava sentimentos diversos. Porque uma coisa era certa: ele não passava despercebido, fosse por pena, ódio ou repulsa. Isso os fazia odiá-lo ainda mais. “O mundo está mesmo perdido!”.
Mas, um dia, alguém se aventurou a entender o misterioso universo de Eugênio, na tentativa de descobrir a causa daquilo considerado por muitos uma doença. Os penosos até cogitavam levá-lo ao médico. “Quem sabe ele não volta a ser normal como era e abandona de vez aqueles livros esquisitos?”, diziam. Marta decidiu tentar. Estava disposta a convencê-lo a procurar um médico. Perguntou, então, o que todos desejavam saber, mas nunca tiveram coragem de falar. Eugênio até achou que esse dia nunca ia chegar, mas finalmente pôde, com o peito cheio, dizer: “Tudo virou piada! E não falo das piadas claras, feitas por aqueles humoristas sorridentes, mas miseráveis. Falo da nossa condição. Nosso país, trabalho, atitudes, educação e política. Não sabemos mais o que é um livro. Elegemos palhaços literais. Glorificamos piadas disfarçadas de preconceito. Rimos do que é sério mas damos toda atenção ao que, para qualquer forma de sensatez, seria considerado piada. Eu não perdi a graça, vocês que não conseguem passar um segundo sem ela. E o pior de tudo, ninguém parece se importar ou até mesmo perceber”. Marta parou.
Alguns segundos se passaram em silêncio, até que ela exclamou:
“HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!, é brincadeira, né? Essa foi ótima! Gente, gente, olha pra cá! O Eugênio recuperou o senso de humor!”.