Quando a piada vira ofensa
- 20 de maio de 2019
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- Thamires Mattos
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Acreditar que o humor só vale a pena se andar lado a lado com o “politicamente incorreto” é um tremendo absurdo
Eduardo Arantes
Nos tempos em que o mundo era dominado pela Grécia Antiga, a técnica do humor foi primordialmente utilizada na área da medicina, basicamente como forma de tirar a tensão, entreter e aliviar o estado físico e mental dos indivíduos. Expressões humorísticas podem representar retratos fiéis de uma época: é o caso das comédias gregas de Plauto, famosas por ironizarem os deuses.
Séculos depois do predomínio grego no mundo, o antigo Império Romano utilizou meios de entretenimento em massa como o Coliseu. Ele abrigava circos e peças teatrais. O intuito dessas iniciativas era desviar o foco dos cidadãos romanos para os problemas e crises vividas dentro do cenário político da época. Na História, esta tática de alienação popular ficou conhecida como “política do pão e circo”.
Engana-se quem pensa que esse conceito ficou na Antiguidade. Após a instauração da ditadura militar no Brasil, durante a disputa da Copa do Mundo de 1970, o governo Médici, conhecido como um dos mais repressivos do país, aproveitou o maior evento futebolístico do mundo para propaganda política. Médici se apresentava como “homem do povo” e “apaixonado por futebol”, e, enquanto os brasileiros ficavam entretidos com os jogos no torneio, o governo fazia seu papel de repressão e tortura a qualquer tipo de oposição.
Humor ou liberdade de expressão?
Com o desenvolvimento artístico e cultural do ser humano, o humor também foi aprimorado. Tornou-se, além de entretenimento, uma ferramenta de crítica ou sátira sobre qualquer tipo de situação social. De modo a aumentar seu público, os humoristas trabalham com o “politicamente incorreto”. Este comportamento de “alívio cômico” traz reflexões: afinal, qual o limite do humor, se é que ele existe? Tudo é protegido pela liberdade de expressão?
Atualmente, o humor feito pelos profissionais de comédia brasileiros serve mais como uma forma de ataque ao governo do que como descontração. Esta adaptação tem gerado problemas. O primeiro deles é que, ao atacarem governantes em seus shows de stand-up, os humoristas correm o risco de ofenderem seus fãs. Além disso, ao aplicarem este tipo de humor, esses comediantes abrem mais precendentes para eventuais processos vindos de políticos que se sentem desacatados.
Liberdade de expressão?
Recentemente, o caso do comediante Danilo Gentili, conhecido por criticar o Partido dos Trabalhadores (PT), chamou a atenção. Na época, seu alvo foi a deputada federal do Rio Grande do Sul, Maria do Rosário. Em seu Twitter, o apresentador do programa The Noite, do SBT, fez duras críticas à deputada, e após receber notificação de processo de Rosário, gravou um vídeo em que rasgava a notificação e a esfregava em suas partes íntimas. Como se não bastasse, Gentili mandou a intimação de volta a deputada com um recado: que Maria do Rosário enfiasse o papel em suas nádegas.
Como resultado da deplorável atitude do comediante, Maria do Rosário afirma que o ato de Gentili não é correspondente à liberdade de expressão, e o condenou a cumprir 6 meses e 28 dias de prisão por injúria e ofensa à honra. Em sua defesa, Gentili alegou que a ação foi totalmente humorística, e que tudo falado nas redes sociais – principalmente o Twitter – é algo “livre”.
A questão a se pensar a respeito deste caso é que a ideia de falar o que bem entender contra as pessoas na internet – achando que não existirão consequências em nome do humor – não tem graça. Quando uma pessoa usa seu direito de liberdade de expressão mas age com o objetivo de atingir e ofender outras pessoas, há um tremendo desrespeito e falta de ética. Além disso, o/a humorista influencia negativamente seus fãs, que podem começar a imitá-lo ao compartilhar piadas de mau gosto cheias de preconceitos como a xenofobia, homofobia e sexismo.
Este pensamento pífio de que o humor só vale a pena se andar lado a lado com o “politicamente incorreto” é um tremendo absurdo. Sinceramente, é uma lástima quando humoristas fazem comentários ofensivos ou preconceituosos em veículos de comunicação, e usam como justificativa a liberdade de expressão. Tanto o conteúdo quanto a preguiça que tiveram ao não se dedicaram com inteligência a nobre tarefa de fazer rir são deploráveis.