O quarto poder
- 15 de maio de 2018
- comments
- Thamires Mattos
- Posted in Análises
- 0
É evidente o porquê de a mídia ser conhecida como o “outro poder”: ela também está sujeita a corruptibilidade dos seres que a governam
Thais Alencar
Um novo dia raiou para o povo brasileiro em 15 de janeiro de 1985. Após 21 anos de ditadura militar, Tancredo Neves foi eleito, por voto indireto, mas com promessas para fim de um regime. Parecia o fim de um longo pesadelo da vida real. Para quem nasceu nas décadas posteriores, todos os fatos ocorridos neste negro período ficam cada vez mais distantes e não passam de um sonho ruim que será esquecido no decorrer do dia seguinte.
Registros históricos a respeito da ditadura militar não faltam. Mesmo com todo o esforço realizado à época para calar quem quer que ousasse se opor ao sistema, bastou o restabelecimento da liberdade de expressão para que as histórias começassem a surgir. Estas servem de inspiração para a grande gama de materiais nos mais diversos formatos existentes a respeito deste tema. São livros, filmes e novelas com o objetivo de narrar, ainda que sob a perspectiva de alguém, o que de fato aconteceu nos dias nebulosos em que os militares estiveram com o poder no Brasil.
O que é possível dizer sobre os meios de comunicação neste período? A mídia teria tido alguma participação para que as coisas chegassem a tal estado? Após o estabelecimento da ditatura militar o que aconteceu com a grande mídia? Esses questionamentos conduzirão a nossa reflexão ao longo deste texto, tendo sempre em mente que o fazer jornalístico também está inserido em um sistema cujos interesses de ordem política e econômica regem a maioria senão todas as decisões tomadas a respeito do quando e como veicular um fato. O nosso principal objeto de análise é a série produzida pelo Observatório da Imprensa intitulada “Chumbo quente”e veiculada por ocasião dos 50anos do Golpe Militar de 1964.
A série conta com a participação de vários profissionais que estavam na ativa neste momento histórico e narram os bastidores das ações jornalísticas dos veículos aos quais pertenciam além de analisarem a postura midiática. É interessante perceber o equilíbrio das opiniões emitidas. Os jornalistas e outros que produziam inclusive materiais de cunho cultural conseguem apresentar os fatos sob a ótica da experiência adquirida ao longo dos anos e, ao mesmo tempo reviver a história.
Segundo alguns depoimentos da série, o que o tempo trouxe de mais positivo além da evolução dos fatos, é a clareza de entender o que estava acontecendo. Para autores de novelas da TV Globo que tiveram o seu roteiro bruscamente alterado por conta das imposições da censura, é muito mais fácil perceber hoje as razões por trás das imposições.
Os entrevistados do Observatório colocam o movimento da ditadura sob uma perspectiva diferenciada. Muitas pessoas não conhecem o processo que nos levou à aquela realidade. O desejo, segundo eles, daqueles que de alguma maneira apoiaram o golpe, nunca foi o de instauração de uma ditadura. Tudo o que se almejava era ordem para o caos político apregoado pela mídia na época.
A maior parte dos jornais e emissoras de televisão se posicionaram a favor do golpe. Alguns por falta de entendimento do que estava por vir e outros, principalmente as emissoras de televisão por interesses de conseguir novas concessões e crescer. Foi o caso do Silvio Santos que em seus programas de auditório demonstrava apreço por ditadores a fim de não perder o espaço já conquistado.
O que a mídia não desejava era que fosse dada continuidade no governo de João Goulart, uma gestão de esquerda. Por isso, usaram de estratégia para disseminar entre o povo a ideia de que o Brasil poderia se tornar comunista se as coisas continuassem da mesma forma e o caos se instauraria.
O feitiço, porém, voltou-se contra o feiticeiro. Tão logo os militares chegaram ao poder, os meios de comunicação tiveram a sua liberdade de expressão cerceada. Política era um assunto proibido nas páginas de jornais e, muitos dos que se atreveram a se pronunciar contra o que estava acontecendo e de alguma maneira levar o povo a uma reflexão, foram torturados e exilados do pais.
Sem saída para a censura, os jornais começaram a publicar receitas de bolo em suas páginas. Estas eram inventadas e apenas mais uma tentativa malograda de deixar evidente que estavam sob censura. A estratégia, no entanto, não obteve êxito uma vez que os leitores ligavam nas redações para reclamar que as receitas publicadas não estavam dando certo.O apoio ao golpe de 64 e à posterior ditadura custou muito caro aos meios de comunicação e ao Brasil. Os reflexos são sentidos ainda hoje.
Do outro lado do Oceano
Silvio Berlusconi ficou conhecido no mundo por ter sido rejeitado na Itália como primeiro ministro após denúncias de escândalos sexuais e corrupção. Já foi considerado o 15º homem mais rico do mundo e possuía diversas empresas de comunicação. Entrou para a política por defender ideias que interessavam ao povo italiano.
As esperanças, porém foram frustradas diante de um plano econômico fracassado e denúncias de corrupção. Era o começo da crise. A mídia brasileira soube repercutir a insatisfação do povo europeu através de matérias que explicavam as acusações contra o primeiro ministro. Hoje, pouco se fala sobre ele e quando isso acontece é para fazer uma retrospectiva de sua trajetória e uma suposta volta à política.
Tanto no caso do Brasil quanto na Itália, a mídia teve forte influência na opinião pública. Os jornalistas, como parte do povo, sabem que corrupção e outros escândalos não são tolerados. A sociedade tende a exigir de seus representantes aquilo que não é, pois o ser humano está longe de ser perfeito e irrepreensível. Em casos como os analisados aqui, fica evidente o porquê de a mídia ser conhecida como O quarto poder. Esta também está sujeita a corruptibilidade dos seres que a governam.