Respeite o pó
- 30 de outubro de 2017
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- Thamires Mattos
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Na queda de braço com a força da natureza o homem perde, pois não tem força suficiente para lutar contra a potência dos quatro elementos. Haverá choro e ranger de dentes enquanto os filhos deste solo não respeitarem o pó de onde vieram
Emanuely Miranda
Lá embaixo, onde os olhos não enxergam e os pés não pisam, houve um ranger de protesto. Escandaloso, o clamor rompeu a superfície. Abalada, a terra tremeu. A água que lhe cobria avançou com a pressa de atacar. Ondas enfurecidas se ergueram e partiram rumo à areia. As pessoas, apavoradas com o que viam, fugiram para um lugar seguro. Não havia lugar seguro. A fúria da natureza os encontrou em qualquer refúgio. Construções se renderam ao chão em reverência a uma força maior que elas.
Essas reações desencadeadas aconteceram em 26 de dezembro de 2004. Para o Ocidente, costumeiramente um intervalo entre o Natal e Ano Novo. Entretanto, as festividades desaceleraram pois os olhos do mundo se voltaram para a Ásia em sincera compaixão. As mãos cheias de fartura dispensaram parte do que tinham para doar àqueles que perderam tudo com o tsunami ocorrido no Oceano Índico.
Todavia, nem a mais engajada das generosidades foi capaz de repor a maior das perdas. Ao todo, foram mais de 220 mil mortos. Só na Indonésia, país mais destruído com o desastre, 170 mil pessoas morreram. Perdas humanas sempre são irreparáveis. Prédios são reconstruídos e ruas são restauradas, mas um fôlego de vida que escapole nunca mais retorna. A humanidade perdeu inúmeros fôlegos em tragédias como essa. Nossa respiração é raquítica em decorrência das faltas que colecionamos. Episódios dessa dimensão se repetem com frequência indesejável.
Recentemente, a força do vento se manifestou. Um furacão, alcunhado como Irma, arrasou ilhas do Caribe e seguiu indomável para destruir mais. Os sopros fortes deslocaram águas e afogaram paisagens lindas da Flórida. Enquanto isso, o Haiti, país frágil da América Latina, espera com pavor a possibilidade de ser destruído novamente.
Digo mais uma vez porque houve um abalo sísmico de magnitude 7,3 em terras haitianas em 26 de janeiro de 2010. O país perdeu todos os seus hospitais e isso dificultou o socorro daqueles que sobreviveram. Equipes de resgate prontamente se deslocaram para lá. Apesar de todo empenho para salvar, cerca de 316 mil pessoas morreram.
Terremoto de escala semelhante ocorreu há pouco no México. O tremor de magnitude 7,1 na escala Richter fez 338 vítimas e despertou até mesmo um vulcão. O número de mortos foi significativamente menor se comparado ao do Haiti, porque a estrutura desse último é muito mais precária.
A natureza não pondera a precariedade do que vai desmantelar. Suas forças são incontroláveis quando inflamadas. Na falta de controle, assola até mesmo aqueles que pouco ou nada fizeram para inflamá-la. Exemplo disso acontece com as ilhas Marshall.
O país, arquipélago paradisíaco, luta contra o tempo. Aos poucos, o mar engole a beleza das ilhas. As geleiras derretidas fazem o mar transbordar. O derretimento decorre de poluições alheias que incitam o aquecimento global. A nação minúscula, exemplo de simplicidade, nada faz para derreter as calotas polares. A ganância dos grandes que afeta os inocentes.
O meio-ambiente foi o primeiro dos inocentes afetados. Sempre provedora, a natureza deu todos os recursos necessários para que a humanidade conseguisse sobreviver. O homem, ganancioso como sempre, decidiu explorar aquilo que lhe era dado. Então, foi estabelecida uma relação nada saudável entre ambos.
Até mesmo o dilúvio bíblico teve origem na desvirtuosidade das pessoas. Atualmente, os ares e as águas ficam saturados com a sujeira da raça humana. Somos os animais racionais menos inteligentes que existem. É uma questão de lógica: basta entender que destruímos a nossa própria fonte de vida.
As mãos humanas se enfiam nas entranhas da terra para retirar riquezas que não lhes pertencem. Seja petróleo ou ouro, nossa mediocridade não merece as preciosidades. Sem precisar se enveredar pelos caminhos secretos do planeta, o homem tira as árvores da superfície e não leva em conta a essencialidade delas para nosso ecossistema e, consequentemente, para nossa sobrevivência.
É um suicídio lento e não percebido por muitos. Para fomentar nossa percepção, a natureza reage. As reações não são sutis. Muito pelo contrário, são desesperadas como ventos fortes e extravagantes como tremores revoltos. Em nenhum momento, essas manifestações devem ser interpretadas como expressões de vingança. Os desastres se apresentam como sinalizações para nos alertar e quiçá nos salvar.
Em 1972, a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, propôs um modelo a ser seguido em resposta aos alertas. A Sustentabilidade, o modelo em questão consiste em suprir as necessidades das atuais gerações sem comprometer o desenvolvimento do futuro. De Estolcomo, na Suécia, para o mundo. Apesar de tardia, a intervenção foi bem-vinda e urgente. As grandes indústrias poderiam começar a reduzir a emissão de gases e os civis pensariam em ideias interessantes de reciclagem.
Entretanto, poucos acataram a ideia messiânica que nos salvaria. Não houve remissão de pecados. A poluição permanece desenfreada. Indústrias produzem sem filtros. O consumo de carros e combustíveis não renováveis aumenta. Monstros de concreto são construídos no lugar de áreas verdes. Lixos são deixados fora do lugar. Até as atitudes mais discretas demonstram um desvio da rota proposta na Conferência de Estocolmo e outras mais.
Por exemplo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou seu país do Acordo de Paris. Esse tratado, assinado na capital francesa e ratificado por mais de 130 países, tem como objetivo reduzir a poluição e o desmatamento para, dessa forma, controlar a crescente da temperatura do planeta. Esquivar a maior potência mundial dessa responsabilidade é um erro cuja dimensão será mensurada ainda mais no porvir.
No entanto, o presente já denuncia a negligência humana através das catástrofes naturais. Enquanto Trump e seus correligionários não zelarem pela natureza, ela revidará para o nosso próprio bem. Sua mão pesada sobrevirá como forma de defesa aos ataques humanos. Nessa queda de braço, o homem perde pois não tem força suficiente para lutar contra a potência dos quatro elementos. Haverá choro e ranger de dentes enquanto os filhos deste solo não respeitarem o pó de onde vieram.