Nem só de pão viverá o homem
- 5 de setembro de 2017
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- Thamires Mattos
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Pós-verdade não é apenas mentir, é deixar no ar a ideia de que é possível criar a verdade, relativizá-la. “Nós não falamos para dizer alguma coisa, mas para obter um certo efeito”, Joseph Goebbels
Tábbta Morais
O termo pós-verdade remete a tudo que se relaciona às notícias fake. O fenômeno da pós-verdade se parece muito com a mentira, no entanto, é diferente daquela mentira pura e simples, pois requer do indivíduo uma perda do vínculo que poderia/deveria ter com bases e fontes confiáveis, verdadeiras, passando a acreditar em algo apenas porque diz respeito a suas crenças e ideologias. Conveniência. O ano de 2016 foi marcado por estes sofismas em seus acontecimentos mais importantes. Os exemplos mais comentados são as eleições norte-americanas e a saída do Reino Unido da União Europeia.
No ano passado, Donald Trump começou a disseminar notícias falsas a respeito de Hillary Clinton; ele chegou a afirmar que a candidata havia criado o Estado Islâmico. Mas esse não foi único boato que acabou parecendo verdade, no final. O candidato republicano também disse que as taxas de desemprego no país chegavam a 42%, e até que contava com o apoio do Papa Francisco.
Todas essas informações foram desmentidas em seguida, mas o estrago já estava feito. As pessoas acreditavam, ou consideravam a possibilidade de acreditar, e isso já foi suficiente para que o cargo mais alto e importante do mundo fosse dado a, nada mais nada menos, que um fofoqueiro.
Com o Brexit não foi diferente. Os apoiadores da saída do Reino Unido da União Europeia se embasaram m declarações falsas que diziam, por exemplo, que o Reino Unido perdia US$ 470 milhões por semana por permanecer no bloco. Também chegaram a afirmar que as fronteiras seriam abertas para milhares de imigrantes e refugiados.
O curioso é que, apesar de haver uma consciência comum da invalidez dos absurdos que foram publicados no ano passado, eles não só puderam exercer influência indiscutível no enredo das situações, como não deixaram de ser usados como artimanha para manipulação de situações políticas.
No processo das eleições presidenciais da França, Marine Le Pen pareceu seguir à risca os passos de Donald Trump. Ela se valeu de acusações indiretas e declarações pouco convincentes contra o rival Emmanuel Macron que envolviam contas nas Bahamas. “Espero que não descubramos que você tem uma conta offshore nas Bahamas. Não sei. Eu não tenho ideia”, afirmou a candidata durante o último debate televisionado antes das eleições.
Pouco tempo depois Macron comprovou sua ‘inocência’. Essa não foi a única vez, mas é o exemplo claro de que boataria parece agora fazer parte do que é considerado comum quando se trata de eleições.
A pós-verdade tem sido muito confundida com mentira. Nos três casos citados: as eleições norte-americanas, o Breixit e as eleições francesas, a maioria dos boatos eram apenas calúnia política, usada par prejudicar o oponente. Isso não é novidade.
O que a pós-verdade traz de novo é que a fidelidade dos consumidores de notícias mentirosas anula a importância dos fatos, das fontes, da verdade. Anula a credibilidade dos veículos sérios de notícia, por exemplo. Pós-verdade não é apenas mentir, é deixar no ar a ideia de que é possível criar a verdade, relativizá-la.
No meio de toda essa bagunça, os veículos de comunicação oficiais têm pouco envolvimento – incrivelmente – quando se trata de publicar informações inverídicas, mesmo por uma questão de manutenção da credibilidade. O que permite atribuir a culpa desse caos aos indivíduos. A culpa é de quem consome. A culpa é de quem assina embaixo sem consultar uma fonte. A culpa é de quem compartilha sem ler, de quem acredita no que parece ser mais conveniente. A culpa é de cada indivíduo que se satisfaz com a mentira.
As consequências de acreditar em boatos já podem ser vistas, por exemplo, em cada medida absurda tomada pelo presidente dos Estados Unidos da América em seu governo mais cheio de questionamentos que aprovação. Uma nação inteira que sofre por ter feito das mentiras o seu pão de cada dia, acreditando que nem só de verdade vive o homem. Mas agora começa a ficar claro que, uma hora ou outra, as mentiras não vão mais encher a barriga.