A mídia que se apropriou da moda
- 16 de agosto de 2017
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- Thamires Mattos
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A tendência e pauta da vez é apropriação cultural, tendo uma cobertura polêmica gera debate e diverge opiniões
Victória Coelho
Antes mesmo de começar a estudar jornalismo, sempre associei o curso aos termos “verdade”, “imparcialidade” e “transparência”. Vi e ouvi muitas pessoas fazerem o mesmo. Ao chegar na academia, a realidade não foi diferente. “Seja clara e respeite o seu leitor, tendo sempre compromisso com o mesmo”. Há pouco da conclusão do curso, continuo acreditando e levando tais ideais comigo.
Já que não posso fugir dos ideais requeridos pela profissão que escolhi para a vida e,também, porque sou uma cidadã pensante nesta vasta miscelânea de opiniões,devo confessar a você, caro leitor, que não possuo uma opinião formada em relação ao tema em questão: apropriação cultural. Ao lhe afirmar tais palavras, um misto de alívio e paz tomam conta da minha alma.
Li uma infinidade de artigos e reportagens sobre o tema. Em uma delas, a primeira constatação: apropriação cultural existe e eu sou a favor do debate sobre o assunto. Dois artigos depois, mais uma averiguação, mas para o meu desespero, acabo em meio a um limbo. Vagando entre a antiga opinião e novos pontos totalmente contrários aos que havia pensado há 45 min atrás. Isso é frustrante.
Li, reli, assisti e decidi: quem disse que eu preciso ter opinião formada sobre tudo? Descobri que apropriação é um tema fantástico, surpreendente, polêmico e, na minha concepção, diverge opiniões. O Brasil e o mundo seriam fruto de uma apropriação cultural? E agora? Está certo ou errado? Você é contra ou a favor? Nem um, nem outro. Sou curiosa. Tenho desejo de me aprofundar, ter propriedade para discutir e fazer algo característico do jornalismo: informar.
Neste texto gostaria de discutir o caso de Marc Jacobs. No meio do meu turbilhão de inquietações, uma vontade: entrevistar Jacobs para esclarecer toda essa história. Como apresentei no início da análise, apropriação cultural é a pauta da vez. O objeto analisado? O desfile da São Paulo Fashion Week (SPFW) do renomado estilista Marc Jacobs. E nosso terceiro e último instrumento de diagnóstico é a grande mídia.
A questão é que o termo não surgiu recentemente. Mas só agora invadiu as conversas de trabalho e as happy hours. Foi para os pontos de ônibus até explodir nas redes sociais. Para se chegar até a mídia, foi como em um passe de mágica. No fim, apropriação cultural virou manchete de jornal e capa de revista, foi para programas televisivos, alcançou às passarelas.
Conhecido por seu estilo revolucionário e inovador, Marc Jacobs apostou em algo inédito para apresentar sua nova coleção. O que ele não contava era a repercussão que sua ousadia geraria (há quem diga que tudo tenha sido feito de forma proposital). Era fim de 2016 e a coleção verão 2017 prometia surpreender. Na passarela, o seguinte diferencial: todas as modelos usavam dreadloks. A maioria delas? Brancas.
Fim do desfile e mais sobressaltos: uma enxurrada de críticas. A proposta colorida, divertida e vibrante de Jacobs foi acusada. O estilista se tornou réu no banco do tribunal da apropriação cultural. O fato rendeu milhares de comentários e até uma resposta do estilista em sua conta pessoal do Instagram. “Para todos que choram ‘apropriação cultural’ e qualquer coisa sem sentido sobre raça ou cor de pele usando o cabelo de qualquer maneira específica – engraçado como vocês não criticam mulheres de cor que alisam o cabelo. Eu respeito e sou inspirado por pessoas e pelo visual delas. Eu não vejo cor ou raça – eu vejo pessoas. Eu sinto muito em ver que as pessoas têm a mente tão fechada… Amor é a resposta. Apreciação e inspiração de qualquer lugar é uma coisa linda. Pensem nisso”.
Volto ao meu devaneio de entrevistar o estilista. Saber se ele já havia estudado sobre o assunto, se concordava ou discordava. Se seu objetivo era causar todo esse rebuliço que rendeu não só críticas, como uma série de manchetes, artigos como este que estou escrevendo e até seguidores em suas redes sociais. Diante disso, continuarei refletindo junto com a mídia, mas sempre ponderando.
Não se pode negar que assim como a moda dos drealoks, usados pelas modelos de Jacobs, sou público alvo e futura participante de uma mídia que pauta o que está na moda e mantem sua opinião mediante o aval de um público que paga. Uma mídia que defende Jacobs nas entrelinhas e ao mesmo tempo o apedreja pelas costas.
Foram diversos conteúdos abarrotados de ironias em relação ao uso dos dreadloks. Se houve apropriação ou não de uma cultura que não fazia parte do estilista e de suas modelos, a quem cabe julgamento? Verdade ou não, Jacobs diz que amor é a resposta. Dessa forma, preciso concordar com ele, já que o que eu quero mesmo é aquela velha e utópica imparcialidade travestida de busca pela verdade. Quero que culturas, sendo apropriadas ou não, sejam abraçadas a todo instante pela mídia e por cada um de nós. Que este povo que um dia teve sua cultura menosprezada e agora “misteriosamente” é exaltada tenha dignidade de serem pautados não só quando estiverem na moda, mas sim quando for preciso. É, Jacobs, talvez amor, de fato, seja a resposta.