“Não deixe o passado morrer”
- 16 de agosto de 2017
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- Thamires Mattos
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Quando se trata de apropriação cultural, (boa) parte da mídia caminha em passos e profundidades rasas
Camila Torres
A metáfora no título nada tem a ver com a música em si. Quer dizer, talvez tenha. Na voz de Alcione, uma versão que falasse do passado histórico e cultural dos negros no Brasil e no mundo talvez fosse um estímulo para que essa geração e a futura não esqueçam o que aconteceu.
Agenda Setting?
Nos últimos meses uma das pautas mais comentadas tem sido apropriação cultural. Os brasileiros foram inseridos em debates que parecem não ter acordo – deveriam? A apropriação cultural pauta a discussão desde os doutores até os menos letrados. Embora seu significado seja “apoderar-se de algo que não lhe pertence”, nesse caso, da cultura, como definir o que pertence a quem na nação tupiniquim? Será que é tão difícil assim? A discussão foi retomada com o uso do turbante e evoluiu para outros elementos. Nesse cenário, alguns casos ganharam os holofotes, mas parece que só por 15 segundos.
A cantora Anitta, por exemplo, foi pauta no final de 2016 e no Carnaval deste ano. Para gravação do especial de Natal do Altas Horas, da Rede Globo, a carioca divulgou nas redes sociais seu cabelo com dreads. Isso bastou para que ela recebesse uma enxurrada de comentários – alguns repudiando a atitude, outros contra a reprovação. Mas o que a mídia falou sobre isso?
No F5 (site de entretenimento da Folha de SP), por exemplo, só se falou superficialmente sobre o ocorrido. No lead do texto, inclusive, se usa o termo “trancinhas” e não dreadlocks. Na coluna de Mônica Bergamo, o tema é abordado, mas somente com um hiperlink que direciona para a “matéria” citada anteriormente. No E+ do Estadão e na editoria de Entretenimento da Veja, a mesma coisa. Fatos, apenas fatos.
No mesmo período, a cantora Daniela Mercury também causou rebuliço entre os internautas. No último Carnaval, a baiana decidiu homenagear Elza Soares se fantasiando de mulher negra, com peruca black power e tom de pele mais escuro. A atitude gerou reações negativas por conta do “blackface”.
O “blackface” consiste em uma pessoa branca ser caracterizada como negra. Começou no século 19 e ainda hoje há resquícios no cinema, na TV e na sociedade.O significado do “blackface” é tão forte que qualquer pessoa que pretende apoiar as causas negras deveria ter conhecimento. Qualquer pessoa deveria tê-lo, na verdade. A Revista Época publicou em seu site no dia 12/05/2015 um texto de Rebeca Campos Ferreira, perita em Antropologia do Ministério Público Federal (MPF) em Rondônia. Além de explicar a prática, Rebeca confirma que o “blackface” é “uma ferramenta utilizada no teatro, no cinema e, lamentavelmente, muito comum no carnaval.”
Entretanto, é interessante notar que assim que Daniela começou a cantar no trio elétrico, não foi essa a abordagem adotada pela mídia. Um exemplo foi matéria publicada no Portal G1. O título trazia “Com Lázaro e Taís Araújo, Daniela defende empoderamento negro na BA”. Por que só se dá voz a um movimento quando os comentários online são desfavoráveis? Está errado.
E apropriação ao contrário, existe?
É possível afirmar que uma mulher negra que alisa os cabelos e pinta de loiro está se apropriando da “cultura branca”? Não. É o que defende a arquiteta e ativista feminista negra Stephanie Ribeiro no site M de Mulher. Em texto publicado no dia 21 de março de 2017, a ativista explica porque o reverso não é igual. A questão exposta por ela é que “ninguém ‘se disfarça’ de branco. O branco é a norma, o correto. O negro é o exótico, diferente, fora do comum.”
Sendo assim, não é apropriação cultural uma mulher negra “embranquecer”, porque, em sua grande maioria, essas mulheres foram ensinadas que isso era o bonito, o correto, o aceitável. Nega Maluca e outras interpretações cômicas do que é ser negro ainda surgem e ressaltam que essa discussão não acabou. “Blackface” não é homenagem. O uso de dreads, turbantes e outros símbolos por pessoas brancas ainda irá gerar muita discussão. A cultura brasileira está em constante processo de hibridização, mescla, mistura. Mas o passado, esse não pode ser esquecido, e a mídia (em geral) tem o seu papel que, por hora, não está sendo cumprido.