O Islã no limbo
- 26 de abril de 2017
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- Thamires Mattos
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Em uma escala global, o jornalismo pisava em ovos ao falar sobre Islamismo desde o 11 de setembro de 2001 até a eleição de Trump
Thamires Mattos
É bem provável que você lembre do dia em que o Islamismo foi parar em todas as capas de jornais, revistas, plantões no rádio e na televisão, e até em portais da internet. Sentada na cama dos meus pais, eu brincava com a minha Barbie morena. A televisão estava ligada na Rede Globo. Eu ainda não sabia ler, mas já reconhecia o fatídico tema do “Plantão”. Na certa, era tragédia. O dia 11 de setembro de 2001 nunca sairá da minha mente – foi o momento em que fui exposta aos perigos do fundamentalismo religioso.
Desde então, a abordagem midiática em relação ao Islamismo não foi mais a mesma. Personagens extremamente estereotipados na ficção e um jornalismo que preferia generalizar as crenças de uma pequena parcela de seguidores de Alá deixaram marcas sociais profundas. Discursos contra muçulmanos e tudo relacionado ao Islã se tornaram comuns, e, em alguns casos, de praxe. Mas o Islamismo só cresceu.
De acordo com o PewResearch Center, um centro de pesquisas com base nos Estados Unidos, o Islã é a religião que mais cresce no mundo. A pesquisa foi divulgada em março de 2017, e estima que, até o ano 2070, o número de muçulmanos ultrapassará o de cristãos no mundo.
Diante dessa realidade iminente, é de se esperar que o governo do país mais poderoso do mundo tenha noção de que, em si, o crescimento do islamismo não é um perigo – pode até ser uma vantagem, do ponto de vista eleitoral. Os problemas são dois: o crescimento de grupos fundamentalistas e os discursos de ódio promovidos contra adeptos de uma religião que são inocentes perante interpretações errôneas e fanáticas de outros. No entanto, esse discernimento está longe da realidade. Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos da América, e, logo no início de seu mandato, já fechou as portas do país para turistas, imigrantes e refugiados originários de diversos países com maioria muçulmana. Durante sua campanha, ele promoveu imagens preconceituosas de muçulmanos. Em resumo: 15 anos se passaram desde a queda das Torres Gêmeas em Nova York, mas imagens aterrorizantes sobre o islamismo continuam a ser distribuídas.
Em uma escala global, o jornalismo pisava em ovos ao falar sobre Islamismo desde o 11 de setembro de 2001 até a eleição de Trump. É certo que alguns conglomerados/veículos de comunicação promoviam uma visão equilibrada sobre o Islã, enquanto outros veementemente o deturpavam. Mas, a grosso modo, as abordagens eram inseguras, incertas, não-objetivas. A figura do(a) muçulmano(a) ainda era baseada em estereótipos ou misticismo. Nada disso parece muito “jornalístico”. O mundo (principalmente sua parte majoritariamente cristã) vivia em uma espécie de limbo em relação ao assunto. Mas todo período no limbo tem um fim – e, pra falar a verdade, a própria crença nessa “sala de espera” foi descreditada pelo Papa Bento XVI – e, para a mídia ocidental, o caminho rumo à desmistificação do Islã foi pavimentado pelos discursos de Donald Trump.
As manchetes sobre o Islã lançadas durante sua campanha presidencial e após sua eleição são majoritariamente feitas com o intuito de desconstruir preconceitos. É claro que, ao analisar a grande mídia, devemos manter em mente que a abordagem do terrorismo com raiz no fundamentalismo islâmico ainda é muito necessária, principalmente na cobertura da Guerra Civil Síria e em atentados promovidos por grupos como BokoHaram e ISIS.
Veículos como BBC, New York Times, Washington Post, El País e CNN estão entre os que mais dão espaço à representação correta do Islamismo, e se firmam como defensores da liberdade religiosa. Os jornais Folha de São Paulo e Estadão fazem tentativas para trilhar o mesmo caminho. No entanto, a Rede Globo segue a linha da conservadora Fox (EUA): perpetuar a ignorância. Com reportagens que deturpam a cultura de países, condenam medidas de inclusão social ou simplesmente ignoram a população muçulmana, o limbo ganha espaço.
É dever da imprensa promover as liberdades individuais e denunciar a falta dessas. E, mesmo com exemplos negativos, os positivos são muitos em relação à representação do Islamismo na mídia. Em tempos de incerteza na era Trump, é dever do jornalismo (e dos jornalistas), ter sensibilidade para distinguir o certo do errado; o moral do imoral; a alteridade do ódio. Afinal, o antídoto para o fundamentalismo religioso é o esclarecimento.