Violência sutil, resultados perpetuados
- 22 de março de 2017
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- Thamires Mattos
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O discurso de ódio contra a mulher na mídia é um doutrinamento ou reflete a sociedade? Há violência simbólica na mídia? Que tipo de desserviço tais coberturas prestam a sociedade?
Camila Torres
Não faz tanto tempo assim que a palavra misoginia “entrou na boca do povo” – em sua maioria, do público feminino. No aspecto geral, misoginia carrega em si o significado de ódio, aversão, desprezo pelas mulheres. Outras palavras, no entanto, já faziam parte das rodas de conversa, como violência, preconceito e machismo. Mas o que pouco ainda se fala é sobre violência simbólica.
Não sou adepta, ou pelo menos tento não ser, daqueles que olham com total reprovação para uma determinada coisa. Uma delas é a mídia. Na verdade nem poderia, pois faço dela minha morada, minha profissão, minha – futura – carreira. O conhecido “quarto poder” tirou presidentes do Planalto e colocou presidentes lá. Hoje presta um desserviço para a sociedade quando o assunto é violência simbólica.
O que viria a ser isto? Violência simbólica é aquela agressão feita na surdina, no campo do subliminar. Aquela que a massa não se apercebe e a que repete e perpetua ingênua e indiscriminadamente. No caso da violência simbólica contra a mulher, o assunto é ainda mais polêmico dentro da mídia. O que muita gente não enxerga é que este tipo de violência está presente sorrateiramente no imaginário popular e é mais uma forma de agressão. Uma forma sutil de manter a mulher em uma posição inferior. E não é a Maria da Penha que vai resolver, afinal, como explicar para outra mulher que não é porque não está roxa que ela não foi violentada?
Até mesmo a violência psicológica contra a mulher tem mais tempo de estudo/abordagem do que a simbólica. A violência simbólica é atenuada. Ela se esconde num comentário aleatório de um colega de trabalho em uma manhã qualquer. Ou se revela em uma reunião de negócios. Às vezes, pode aparecer nas festas em família.
No caso da mídia, há diversos exemplos. O mais escancarado é a exibição de corpos femininos como objetos. Programas humorísticos fazem isto com maestria. Caso do satírico “Pânico”, da TV Band. As modelos são reduzidas aos seus corpos definidos. E só. Uma imagem de que ser mulher significa isso, ter um corpo escultural. Ninguém quer ouvi-las ou elas não se importam? Queria ter essa resposta.
Mas a violência não para por aí. Ela tem outros padrões. No dia 18 de abril de 2016, o famoso meme “Bela, recatada e ‘do lar’” era título de um texto publicado no site da revista Veja falando sobre a primeira-dama do Brasil, Marcela Temer. Na época, Marcela ainda não era a primeira-dama. Talvez se preparasse para assumir o cargo mais alto na escalada política do país ao lado de seu marido, Michel Temer. Fato que aconteceu quase quatro meses e meio depois. Seria ela ao lado dele ou ele ao lado dela?
O texto começa “Marcela Temer é uma mulher de sorte”. Mar, como foi apelidada carinhosamente pela família, é a mulher elegante, com traços finos de comportamento, calma, discreta. O que há de errado nisso? Nada. O que mais precisaria no currículo? Concurso de miss? Ela também tem. E está tudo bem. Mas o bem termina quando esse perfil é colocado como regra, ou fica subtendido nas entrelinhas. Este é o fato que produziu tanta repercussão ao texto de Veja. Seu final é clássico: “Michel Temer é um homem de sorte”.
No mesmo ano e ainda falando de política, a imagem da ex-presidente, Dilma Rousseff foi atacada simbolicamente. A primeira presidente mulher do país sofreu impeachment com a saudação “Tchau, querida!”, que ganhou as páginas dos jornais e “caiu na boca do povo”.
Em 10 de maio de 2016, a pesquisadora Jeana Laura da Cunha Santos, pós-doutoranda no POSJOR/UFSC, fez uma análise da capa da revista Veja e de uma imagem publicada no jornal o Estado de S. Paulo. No Estadão, Jeana analisa uma foto de Dilma com uma chama em eu rosto. Questão de ângulo do fotógrafo. Ela discorre: “[…] sabe-se que uma das formas assumidas pela misoginia é o ato de ridicularizar uma mulher, tornando seu corpo e/ou ações risíveis. Outra forma é a violência, também expressa na foto quando alude à morte de uma mulher por fogo”.
Já na internet, com mais de um milhão de seguidores, a jornalista Julia Tolezano, por exemplo, talvez não imaginasse que aquele vídeo postado dois anos atrás, no dia 26 de fevereiro de 2015, hoje teria quase 2 milhões e 700 mil de visualizações no YouTube. O vídeo “NÃO TIRA O BATOM VERMELHO” fala sobre relacionamentos abusivos, e em quase sua totalidade sobre violência simbólica. Além desse vídeo, a jornalista gravou outros falando sobre o tema.
Voltando ao primeiro padrão, um exemplo de mudança é que a Globeleza foi repensada. Pela primeira vez, seu corpo não apareceu apenas pintado, o que chocou. Irônico, não? Mas os resquícios estão por toda parte. “A família tradicional brasileira” ainda senta no sofá para assistir programas ou para tomar café lendo jornal. Quanto às grandes mídias, por pressão ou por conscientização devem mudar. Quanto às mídias alternativas, há bons “experimentos e previsões”.