Pseudofeminismo
- 22 de março de 2017
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- Thamires Mattos
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Sou contra a misandria da mesma forma que abomino a misoginia. Prego contra o femismo assim como sinto repulsa pelo machismo. Sou contra a violência seja ela feminina ou masculina. Defendo a liberdade independente de gênero, credo ou raça.
Luciana Ferreira
Mexo, remexo na inquisição / só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão … / minha força não é bruta, não sou freira nem sou puta / nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda”.
O trecho acima faz parte de uma música intitulada Pagu – interpretada pelas cantoras Rita Lee e Zélia Duncan – feita em homenagem a escritora, poeta, diretora de teatro, desenhista, tradutora, ativista, jornalista brasileira e esposa de Oswald de Andrade, Patrícia Galvão. Esta mulher, multifuncional, foi considerada Musa do Movimento Modernista e por vezes atacada por ser uma fêmea além do seu tempo.A canção pode até ser considerada fútil/vulgar por alguns, por conter palavras “fortes” como puta, bunda, dentre outras que recheiam esta crítica em forma de música. Mas, porque escolhi iniciar meu texto com essa música mesmo? Ah, me lembrei!
Primeiro, porque ela quebra alguns tabus perpassados por gerações, na verdade estigmas que viraram quase regra com relação ao tratamento dispensado às mulheres. Além disso, retoma um caminho sombrio, por onde passaram mulheres que foram queimadas nas fogueiras acusadas de bruxaria.
O segundo ponto a ser considerado é o fato de que também sou mulher e, como tal, ainda convivo com um grito encalacrado na garganta. Um “encalacramento” imposto por uma geração doutrinada em um machismo que insiste em me manter calada.
Em terceiro, porque não haveria (talvez) palavras mais impactantes para promover a reação por mim planejada. Fazer com que você, caro leitor, homem ou mulher (uma vez que não escrevo para nenhum gênero específico), reflita sobre os pontos que quero propor, conversar. Nada melhor que palavras incisivas (até polêmicas) para marcar, causar desconforto nesta velha postura acomodada.
Vamos falar de feminismo
Antes de prosseguir, suplico que você, leitor, não se incomode com o tom informal com o qual este texto se desenvolve. É que como já disse acima, trata-se de uma conversa. Isso mesmo, um diálogo. Não tenho qualquer intenção de impor nada, pelo contrário, quero ouvir, embora essa prosa não tenha um retorno tão instantâneo como se estivéssemos batendo um papo pelo whatsapp. Mas garanto, de alguma forma você poderá me encontrar a fim de expor, responder, falar o que estiver pensando. Até espero que critique, discorde, afinal são as interlocuções que constroem um pensamento maduro e interessante.
Enfim, falando sobre mulheres é inegável o fato de que sempre fomos subjugadas. Na antiguidade, não podíamos escolher nada. Não nos era dado o direito de estudar ou decidir com quem casar. Éramos ensinadas que lugar de mulher é em casa, aprendendo a passar, lavar, cozinhar para atender os desejos do pai e irmãos. O patriarca que “possuísse” esta espécie de esposa ou filha “prendada” era altamente considerado. Tais coisas eram vistas como trunfos. Ter uma filha “apta” a ser entregue ao primeiro homem com o qual o pai julgasse que ela deveria se casar.
Agora, casada, ela já não mais satisfazia o desejo do pai, mas de outro homem, o marido. Que tampouco ligava para os desejos da mulher. Aliás, para os exemplos de “masculinidade”, desejo feminino era sinônimo de lascívia. Enfim, ela vivia para o lar, para o macho alfa e para os filhos. Com muita luta, a singela “dama” conseguiu ir para as fábricas. “Grande” conquista marcada pela constante exploração sexual. Sim, lindas, jovens, virgens e biologicamente frágeis, elas eram obrigadas a satisfazer os desejos insanos de seus superiores. Não obstante a tal brutalidade, as mulheres ganhavam menos que seus abusadores, não podiam ocupar os mesmos cargos que eles, nem tinham os mesmos direitos. Escritora feminista, Michelle Perrot destaca em seu livro As mulheres ou os silêncios da história que “a fábrica é um feudo que reduz os trabalhadores à servidão e entrega aos patrões o sexo das moças” (PERROT, 2004, p. 405).
Após a Revolução Francesa, ecoam por parte das mulheres gritos de liberdade. Surge então, neste cenário, ideias feministas. Das operárias até as intelectuais, todas passam a exigir direitos iguais. O feminismo configura-se como um movimento social, intelectual e filosófico que luta pela equiparidade entre sexos. Luta para que as mulheres sejam respeitadas, para que tenham sua liberdade de escolha, para que não sejam violentadas fisicamente, psicologicamente, e muito menos simbolicamente.
Simone de Beauvoir, reconhecido nome entre as divulgadoras do feminismo, afirma que as mulheres, no geral, não são feministas porque elas não conseguem alcançar suas iguais que adotam uma postura de aceitação e resignação. Ou seja, não há uma união feminina, e o grito de poucas que erguem a bandeira do feminismo não é aceito e ouvido nem mesmo pelo próprio gênero.
Ela destaca ainda, que o conceito de mulher foi construído sociohistoricamente, sendo que desde criança a menina é condicionada a apreender o que é ser mulher. São as próprias mulheres que criam em suas filhas a discriminação, quando motivam o exibicionismo masculino e colocam as meninas em posição recuada. E o problema se acentua ainda mais, quando nos deparamos com um falso feminismo que busca extinguir a raça masculina como se essa fosse a única solução para todas as marcas deixadas em cada mulher pelo tempo. Mas se isso não é feminismo, o que é então?
…sou mais macho que muito homem…
É um equívoco afirmar que o contrário do feminismo é o machismo, já que o primeiro é um movimento que envolve uma parcela da sociedade fundamentada em ideologias consistentes e que defende interesses e direitos de alguns, e o segundo é um comportamento de homens, (e pasmem, até mesmo mulheres que acreditam em tal comportamento), que se consideram superiores e que por isso se acham no direito de se impor e dominar outros.
O feminismo não é o oposto do machismo, mas isso não quer dizer que uma dualidade não exista, pelo contrário, o outro lado do machismo é o femismo. Comportamento que defende a ideia de que para resolver anos de opressão é preciso inferiorizar o sexo masculino, oprimi-lo. Devolver na mesma moeda o que eles fizeram às mulheres.
Desde muito tempo, eu sempre tive um problema com a palavra empoderamento. E isso me incomodava, me martirizava pensando que estava traindo anos de luta de feministas sérias e engajadas como Simone de Beauvoir e Camille Paglia. Sentia-me acomodada e machista, já que não queria ser o estereótipo de mulher que não se depila, que tem aversão a homens, que exclui qualquer possibilidade de ser mãe. Não que eu tenha preconceitos contra mulheres que pensam assim, mesmo porque luto a favor da liberdade feminina em escolher e a cosmovisão que vai fundamentar essas escolhas é pessoal.
Mas foi no encontro com o verdadeiro feminismo que percebi que posso sim lutar pelo o que quero, pelo meu direito, mas para isso, mesmo que em momentos precise enrijecer minha postura, não há necessidade de pregar o ódio e extinção da raça masculina. Concordo com Simone de Beauvoir quando ela diz que é impossível que a situação das mulheres mude se a própria noção de sociedade com relação a luta de classes não se alterar. Compartilho da mesma ideia da poeta Luz Ribeiro, negra, atual vencedora do campeonato brasileiro de poesia falada BR-Slam, que declara que dentro do próprio feminismo há machismo e racismo, quando a gente desconsidera um tema fragilizado para dar vez a pautas gerais. As mulheres negras, por exemplo, são as que menos recebem, estão mais sozinhas, tem o corpo mais violado, compõem o maior índice de mortes, criam os filhos sozinhas e mesmo assim ainda são desconsideradas por um “feminismo” que luta pela igualdade de gênero, mas esquece de lutar pela extinção da discriminação de pessoas pela raça.
Não é minha intenção te obrigar a nada e muito menos lhe doutrinar. Não sei você, mas eu sou contra a misandria da mesma forma que abomino a misoginia. Prego contra o femismo assim como sinto repulsa pelo machismo. Sou contra a violência seja ela feminina ou masculina. Defendo a liberdade independente de gênero, credo ou raça, desde que essa não seja confundida com libertinagem e desrespeite os limites e princípios alheios. Ainda não posso dizer que sou feminista, porque não carrego a bandeira desse movimento como outras mulheres; mas também luto para não carregar o peso da culpa em nutrir um comportamento tão machista quanto o femismo.