Parto sofrido
- 25 de outubro de 2016
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- Thamires Mattos
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A gravidez acabou. Pátria que pariu! O filho nascido foi batizado como golpe e a democracia morreu ao seu lado
Emanuely Miranda
O processo que terminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff durou nove meses. O tempo de uma gestação. O desfecho de toda gravidez é o nascimento. Porém, nesse caso, o golpe concebido pela oposição pariu também a morte da democracia.
As contrações desse parto começaram na Câmara dos Deputados cansando dores na pátria mãe. Certamente, dores de vergonha ao ver os filhos deste solo munidos de argumentos estapafúrdios e vexatórios. A gestação seguiu sua via dolorosa. No dia 31 de agosto de 2016, as contrações se intensificaram. Era o momento de dar à luz. Ou seria o momento de dar à escuridão? O Brasil conhece bem o escuro pois teve o desgosto de vivê-lo durante a ditadura militar, ou seja, a idade das trevas do Brasil.
Dilma Rousseff, bruxa resistente da época medieval brasileira, lutou pela ressurreição da democracia no século passado e, agora, batalhou para mantê-la viva novamente. Negou a possibilidade de renúncia e, de peito aberto, encarou os golpes pontiagudos oriundos da oposição e da imprensa feroz que lutavam – como de praxe – juntas. Nessa batalha, cinquenta e quatro vírgula cinco milhões de votos foram assassinados. Sim, escrevi por extenso porque esse número é grande demais para ser ignorado.
Não podemos negar o fato de que entre eles há uma parcela que mudou de opinião. Entretanto, a opinião cujo curso foi modificado só mudou pois foi enganada em relação ao caminho. A mente dos brasileiros foi golpeada com discursos semelhantes a flechas envenenadas proferidos pela grande mídia, exército da direita brasileira. O veneno atingiu a capacidade de discernimento das pessoas e, com fundamentos trôpegos, estas protagonizaram manifestações. “O impeachment saiu das ruas”, alegavam.Os políticos mal intencionados usaram os protestos como subterfúgio.
Iludida, a população brasileira depositou a culpa de todos os males brasileiros nas mãos – realmente nem sempre habilidosas – da ex-presidente. Seus erros se limitaram a cálculos políticos que não justificam um impeachment. Se assim fosse, 16 estados brasileiros passariam pelo mesmo processo. Ao contrário daquilo que o senso comum forçado acredita, a corrupção não será solucionada porque, primeiramente (fora, Temer!), o PT não detém o monopólio desta mazela, visto que ela não é unipartidária. Em segundo lugar, vale lembrar que não foi encontrada fissura na integridade de Dilma. Ela não respondeu por nenhum crime decorrente de algum ato desonesto pois nenhum foi encontrado em sua conduta.No entanto, não podemos dizer o mesmo em relação à pessoa que assumiu a presidência em seu lugar.
Houve então uma ruptura com o modelo proposto pelo presidencialismo, sistema vigente em nosso país. Nesse regime, o Congresso tem o direito e o dever de monitorar o presidente, eleito pelo povo. No entanto, subentende-se que não haverá abusos por parte dos deputados e senadores. Fica subentendido, mas não fica garantido. Na falta de garantias, a boa fé foi contrariada. Com a falácia de colocar o Brasil nos trilhos, o parlamento (não a população) confiou o Executivo a Michel Temer. Para ele executar o quê? Seu conservadorismo?
Seu espírito conservador é claramente notado através da ausência de representatividade em seus ministérios. Nas pastas, 21 homens brancos compõem a trupe. Em um país cuja maioria é de negros e mulheres, a escolha dos ministros soa, no mínimo, incoerente, mas retirando a delicadeza da palavra escolhida, tal escolha soa preconceituosa, machista, separatista.
A minoria da população se vê beneficiada com o governo Temer. Beneficiada e também vingada! Historicamente acostumada a desfrutar de apanágios, a elite viu com desgosto o PT estender privilégios aos mais pobres durante 13 anos. A casa grande surta quando a senzala aprende a ler. Para angariar números e peso nas ruas, a rica e dominante mídia, integrante dessa classe ressentida com o governo petista, conseguiu colocar parte da senzala contra si mesma. Segundo pesquisas, 61% dos brasileiros desejavam a destituição da presidente. A amplitude dessa porcentagem é fruto de um implacável trabalho de manipulação.
A união entre os principais veículos tupiniquins e a direita brasileira rendeu um embrião e, em seguida, vieram os nove meses de gestação. A gravidez acabou. Pátria que pariu! O filho nascido foi batizado como golpe e a democracia morreu ao seu lado.