Michael Löwy e o tal do golpe pseudolegal
- 25 de outubro de 2016
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- Thamires Mattos
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Este texto é uma junção de excertos de publicações de Michael Löwy* feitas (durante o último ano) no Blog da Boitempo, que pertence a Editora Boitempo
Endereço das publicações:
“A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas”
Michael Löwy*
(Publicação de 17/05/2016 – “O golpe de Estado de 2016 no Brasil”)
“Vamos dar nome aos bois. O que aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, foi um golpe de Estado. Golpe de Estado pseudolegal, “constitucional”, “institucional”, parlamentar ou o que se preferir. Mas golpe de Estado. Parlamentares – deputados e senadores – profundamente envolvidos em casos de corrupção (fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente pretextando irregularidades contábeis, “pedaladas fiscais”, para cobrir déficits nas contas públicas – uma prática corriqueira em todos os governos anteriores! Não há dúvida de que vários quadros do PT estão envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobras, mas Dilma não…”
“A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas. Testada em Honduras e no Paraguai (países que a imprensa costuma chamar de “República das Bananas”), ela se mostrou eficaz e lucrativa para eliminar presidentes (muito moderadamente) de esquerda. Agora foi aplicada num país que tem o tamanho de um continente…”
“Citando Hegel, Marx escreveu no 18 de Brumário de Luís Bonaparte que os acontecimentos históricos se repetem duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Isso se aplica perfeitamente ao Brasil. O golpe de Estado militar de abril de 1964 foi uma tragédia que mergulhou o Brasil em vinte anos de ditadura militar, com centenas de mortos e milhares de torturados. O golpe de Estado parlamentar de maio de 2016 é uma farsa, um caso tragicômico, em que se vê uma cambada de parlamentares reacionários e notoriamente corruptos derrubar uma presidente democraticamente eleita por 54 milhões de brasileiros, em nome de ‘irregularidades contábeis’. O principal componente dessa aliança de partidos de direita é o bloco parlamentar (não partidário) conhecido como ‘a bancada BBB’: ‘Bala’ (deputados ligados à Polícia Militar, aos esquadrões da morte e às milícias privadas), ‘Boi’ (grandes proprietários de terra, criadores de gado) e ‘Bíblia’ (neopentecostais integristas, homofóbicos e misóginos). ”
“O novo presidente, Michel Temer, entronizado por seus acólitos, está envolvido em vários casos suspeitos, mas ainda não é alvo de investigação. Uma pesquisa recente perguntou aos brasileiros se eles votariam em Temer para presidente da República: 2% responderam que sim…”
“Em 1964, grandes manifestações ‘da família com Deus pela liberdade’ prepararam o terreno para o golpe contra o presidente João Goulart; dessa vez, multidões ‘patrióticas’ – influenciadas pela imprensa submissa – se mobilizaram para exigir a destituição de Dilma, em alguns casos chegando a pedir o retorno dos militares… Formadas essencialmente por brancos (os brasileiros são em maioria negros ou mestiços) de classe média, essas multidões foram convencidas pela mídia de que, nesse caso, o que está em jogo é ‘o combate à corrupção’.”
“O que a tragédia de 1964 e a farsa de 2016 têm em comum é o ódio à democracia. Os dois episódios revelam o profundo desprezo que as classes dominantes brasileiras têm pela democracia e pela vontade popular.”
(Publicação de 02/09/2016 – “Fora Temer, Diretas Já!”)
“O dia 31 de agosto de 2016 ficará na historia do Brasil como o momento em que a democracia de baixa intensidade foi substituída por ‘Democracia Zero’. Num total e absoluto desprezo pelo voto democrático da população brasileira, o Senado ratificou o ‘impedimento’ de Dilma Rousseff. Tenho muitas críticas ao governo de Dilma, que tentou desesperadamente ‘fazer média’ com os banqueiros e com os latifundistas. Não deu certo: eles não querem concessões e compromissos, querem governar diretamente. Dilma foi vítima desta intolerância das elites parasitarias que dominam o país ha séculos e que desejam, urgentemente, desmantelar as (poucas) conquistas sociais dos últimos anos.
Sem nenhuma base jurídica, o processo contra Dilma foi armado em cima de pretextos ridículos e absurdos. A oligarquia brasileira – financeira, industrial, rural, midiática, jurídica, etc. – pôs em execução um golpe de estado pseudo-legal, através de seu instrumento político, o partido dominante que controla ambas as Câmaras, o PQB (Partido dos Quatro Bs: Bancos, Boi, Bíblia e Bala). Talvez deveria se acrescentar uma letra: C, de ‘Corrupção’. Tal e qual Paraguai e Honduras, países sofridos que quase nunca conheceram democracia. Para realizar seu objetivo as elites econômicas capitalistas armaram uma aliança de ferro com os setores mais reacionários, obscurantistas e retrógrados da sociedade brasileira: os campeões da misoginia, da homofobia, da intolerância religiosa e da pena de morte. O resultado é este governo Temer, monstrengo ilegal, ilegítimo, impopular e espúrio, cujo primeiro ato será reduzir o orçamento da educação e da saúde…
O momento não é para lamentos, ou resignação, mas para a resistência. Tem agora a palavra um personagem que não foi nem ouvido, nem consultado, durante estes meses de ‘processo’: a população brasileira. É urgente organizar um amplo movimento, como o de 1985 contra a ditadura militar agonizante, em torno da palavra de ordem ‘Diretas Já’! Chega de conchavos parlamentares, manobras pseudo-jurídicas, e golpes de estados senatoriais. É o povo brasileiro que deve eleger o Presidente da República e não uma clique de políticos do PQB.
Fora Temer e Diretas Já!”
* Michael Löwy é um sociólogo e pensador marxista brasileiro radicado na França, onde trabalha como diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Vive em Paris desde 1969 e é formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo.