O mundo pede desculpas
- 29 de agosto de 2016
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- Thamires Mattos
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Depois de 22 dias, o Brasil tem o melhor desempenho já alcançado em Jogos Olímpicos e recebe olhares mais comedidos e simpatizantes do mundo inteiro
Emanuely Miranda
Era dois de outubro de 2009. A areia de Copacabana estava lotada de corações palpitantes aguardando o veredito final. A cerca de 10.194 quilômetros dali, em Copenhague, Dinamarca, corações igualmente ansiosos aguardavam a mesma decisão. Os ouvidos atentos escutaram o discurso diplomático de protocolo proferido por Jacques Rogge, presidente do Comitê Olimpíco Internacional (COI). Em seguida, uma jovem atleta dinamarquesa subiu ao palco levando um envelope e o entregou ao presidente. Em suas mãos, a resposta. “Hoje eu tenho a honra de anunciar que os jogos da 31ª Olimpíada serão sediados pela cidade…”
Pausa. Enquanto Rogge abria o invólucro, segundos ficaram suspensos no ar.
“… Rio de Janeiro”, anunciou.
Os representantes do Brasil na cerimônia foram tomados pela euforia. Comemoravam com abraços, gritos, lágrimas, pulos e bandeiras tremulando. Em Copacabana, a cena se repetiu. Depois de três tentativas, o Rio de Janeiro finalmente conseguiu a oportunidade de sediar os Jogos Olímpicos e deixou para trás as outras cidades envolvidas na disputa: Chicago, Tóquio e Madri. A alegria inicial deu lugar à corrida para deixar o Rio pronto para a festa. Os olhos do mundo e as lentes das câmeras se voltaram para a Cidade Maravilhosa e, por muitas vezes, os veículos internacionais não a consideraram tão maravilhosa assim.
Chuva de críticas
A turbulência política, a instabilidade econômica, a epidemia do Zika Vírus, a famigerada violência do Rio de Janeiro, o atraso nas obras, a ameaça de terrorismo, as águas poluídas, entre outras questões delicadas abasteceram a “editoria de críticas” dos jornais internacionais e, inclusive, locais. “Apesar de a Olimpíada não acontecer de fato na ciclovia, o acidente provavelmente vai causar preocupações sobre o quanto o país está pronto para sediar os Jogos”, provocou o The New York Times (NYT) quando cerca de 20 metros da ciclovia Tim Maia desabaram na zona sul do Rio.
Foram quase sete anos de preparação e, após o prelúdio da abertura, as Olimpíadas Rio 2016 finalmente começaram. Mesmo com o som ufanista das torcidas, ainda era possível escutar as críticas da mídia.“No meio dos Jogos Olímpicos, o Rio de Janeiro ainda está lutando com uma litania de problemas”, declarou o Washington Post. O jornal americano ainda elencou uma série de adversidades encontradas na cidade anfitriã. Após todos os motivos para desaprovação serem intensamente explorados, valeu reclamar até mesmo de um tradicional biscoito carioca, como fez o NYT.
Na Suíça, terra do Comite Olimpíco Internacional, a postura da mídia não foi diferente. “Achei uma pena não mostrarem o Rio e o Brasil numa luz com muito otimismo, mas eu entendo que os problemas da cidade e do país são enormes demais para esconder tudo isso”, lamenta o professor suíço DieterBurg. Ele afirma que, embora a cobertura dos Jogos Olimpícos tenha dominado a pauta dos veículos de comunicação, a repercussão destes em seu país não foi positiva devido a clarividência dos percalços brasileiros.
O jornalista esportivo Igor Siqueira lamenta a postura da mídia internacional. “Há um extremo por parte da imprensa estrangeira de vir à cidade com todas as armas na mão, pronta para criticar chuva, vento, sol, calor, tudo o que conseguir”, analisa. Siqueira também comenta sobre a mídia brasileira e, de acordo com ele, há veículos, principalmente paulistas, que não fizeram cerimônia em mostrar as mazelas da cidade.
No entanto, aqueles que vieram ao Rio puderam notar que a situação não estava caótica como transmitiram e subestimaram os jornais nacionais e internacionais. “Eu amei o Rio e pretendo retornar no Carnaval”, afirmou o gerente de marketing malaio, Amin Ashaari. Ele ainda acrescentou que esses foram os melhores Jogos Olimpícos para o seu país.
Assim como Ashaari, a estudante carioca Acyria Gottgtroy acompanhou vários eventos da Olimpíada. Nascida no Rio, ela notou várias transformações auspiciosas em sua cidade natal em virtude de sua eleição como sede olímpica. “As transformações foram diversas, a começar pelo meio de transporte que melhorou absurdamente. Também houve melhora da segurança por causa da atenção dada aos lugares reforçando o policiamento”, observa. A estudante ainda preconiza a organização dos jogos e comemora a ausência de filas extensas.
Acyria não precisou fazer deslocamentos significativos para assistir os jogos, mas a Olimpíada movimentou fluxos pelo mapa do Brasil. A estudante manaura Raissa Farah saiu do Norte do país e admite que, para isso, desembolsou um valor considerável. Entretanto, ela garante que o sacrifício foi recompensado. “Não há emoção maior que assistir um jogo presencialmente. O calor da torcida, a emoção das jogadoras e o evento em si são surreais”, relata. Raissa direciona elogios à organização dos jogos do Rio pois superou as expectativas recebidas. “Tudo foi muito bem organizado. Desde o momento que você saía de casa, tudo foi facilitado para você chegar ao local de destino. Além disso, o parque olímpico estava muito lindo, teve bastante entretenimento gratuito, intercâmbio cultural e a mobilidade estava impecável”, acrescenta.
Ao contrário de Ashaari e Raissa, o professor de Educação Física chileno Danilo Saéz não pôde ir ao Rio de Janeiro para torcer por seu país. Todavia, a imprensa chilena fez uma cobertura completa das Olimpíadas e Saéz acompanhou através da televisão e outras mídias. “Aparentemente, uma boa organização foi evidente. Não houve grandes problemas e competições foram realizadas sem problemas”, opina. Suas impressões foram fomentadas pelos jornais que assiste e lê. Inicialmente, a imprensa chilena salientou os protestos sociais ocorridos no Brasil contra a realização da Olimpíada, mas, em seguida, transmitiu a ideia de que o funcionamento dos jogos ocorreu adequadamente.
Válvula de escape
O comportamento do jornalismo chileno distoa do grande coro de críticas estrangeiras que atingiram o Brasil. A agência de notícia Reuters, por exemplo, destacou que os Jogos Olimpícos aconteceriam em meio a pior recessão do Brasil desde a década de 1930 e durante uma crise política que levou ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. No entanto, a repercussão das questões políticas foram minoradas com o andamento das Olimpíadas.
Para Siqueira, foi natural que os Jogos Olímpicos abafassem assuntos que anteriormente estavam em voga. “Isso é mais do que normal, ainda mais com os Jogos acontecendo aqui. A população também não queria saber de Dilma no momento. O esporte é um escape para temas mais densos e o leitor entra de cabeça nisso”, explica.
Imprensa tão rápida quanto Bolt
Michael Harteman é um dos leitores que entraram de cabeça nisso. Desde seus tempos pueris, já consumia esportes. A parede do seu quarto estampava pôsteres do imortal Ayrton Senna e, dentro de sua mochila, sempre havia um álbum de figurinhas dos jogadores de futebol. O menino cresceu, começou a estudar jornalismo e o amor pelos esportes continuou latente.
Pela primeira vez, a Olimpíada ocorreu em nosso solo e, para um brasileiro amante dos esportes tal qual Harteman, tratou-se de um momento histórico. “Em casa fiquei sempre com a televisão ligada acompanhando tudo o que podia, tudo mesmo”, conta. Seu celular possuia um aplicativo que o informava constantemente sobre a programação dos jogos e permitia a gravação das partidas que não conseguira assistir.
Com o objetivo de conseguir o conteúdo mais completo possível, Harteman recorreu à Web. “Para se aprofundar, é melhor ir até a internet. As informações ficam ali e podemos ler a qualquer momento. A TV fica mais presa ao imediatismo”, analisa. Toda noite antes de dormir, o estudante se alimentava de informações esportivas coletadas em páginas especializadas. Ele é leitor fiel do veículo no qual Igor Siqueira trabalha.
Trata-se de um jornal setorizado cujo teor é o mundo esportivo. Siqueira comenta que é difícil produzir um trabalho diferente no jornalismo e entregá-lo para um público exigente e apressado, visto que a celeridade é uma força motriz da contemporaneidade. “A nossa proposta, pela bagagem esportiva que temos, é contar as histórias de forma mais original e aprofundada, sem perder a velocidade”, alega. Os jornalistas pretendem fornecer informação precisa e veloz.
Uma semana e meia antes do começo das Olimpíadas, a demanda aumentou na redação e a rotina foi modificada. Os assuntos de futebol outrora monopolizadores de pautas, foram substituídos pelas prioridades olímpicas. Além disso, o Twitter foi usado como uma ferramenta aliada. ”Trabalhei mais tempo com o celular – twittando, tirando foto e gravando entrevista – do que com o laptop, batendo matéria”, confessa.
Torcedor X Jornalista
A tecnologia foi um artifício à disposição de Siqueira e dos demais jornalistas que cobriram essa edição das Olimpíadas, no entanto, houve outro vetor importante que esteve ao lado dos repórteres brasileiros: a emoção. Antes de serem profissionais, são filhos deste solo e, portanto, não puderam deixar de idolatrar a pátria amada e torcer por ela. Rio 2016 inflamou os sentimentos patrióticos dos brasileiros e a classe jornalística não ficou imune.
Segundo Siqueira, a sua atuação como torcedor não comprometeu o seu profissionalismo. “Um depende do outro. Antes de ser jornalista sou torcedor. E continuo torcendo, sofrendo, comemorando”, revela. Em casos de vitória, a comemoração é inevitável. Em situações de derrota, como a do futebol feminino, socou a mesa, ergueu a mão à cabeça e demonstrou insatisfação.
Harteman compreende que é impossível não se emocionar com certas conquistas. “Não tinha como ser frio narrando a vitória do basquete masculino contra a Espanha, por exemplo”, admite. Contudo, como estudante de jornalismo, ele reconhece o valor que a imparcialidade tem. “Quando as luzes do ginásio se apagam, é necessária uma avaliação mais fria, mais jornalística e nada de torcedor. É preciso ter maturidade até para dizer se uma vitória brasileira não foi justa”, conclui.
Siqueira garante que o tempo proporciona maturidade para analisar os fatos em detrimento da emoção, mas ressalta que a ausência desta em um texto o torna sem vida. Nas entrelinhas das reportagens e no tom de voz dos jornalistas, foi perceptível, por exemplo, o encantamento de quem contemplou o ouro da medalha sobre o peito vitorioso de uma judoca guerreira.
Uma salva de palmas
A vitória de Rafaela Silva no judô abriu o ciclo de emoções das conquistas brasileiras nessa Olimpíada. Em seguida, vieram o inédito ouro no futebol masculino, o lugar mais alto do pódio para os rapazes do vôlei, entre outros triunfos. Apesar de algumas derrotas imprevisíveis, o Brasil ostenta seu melhor desempenho olímpico já alcançado. Entretanto, há uma vitória que não consta no quadro de medalhas: a capacidade do nosso país de organizar os Jogos Olimpícos mesmo debaixo de uma chuva de críticas oriundas daqui e d’além mar. A Olimpíada acabou, as críticas foram caladas e o que resta agora é o som de aplausos. “Fomos muito injustos com vocês. Tudo foi perfeito”, disse a finlandesa Leslie Shannan em entrevista ao El País. Essa declaração soa como um pedido de desculpas e resume o sentimento do mundo inteiro.