Mídia, Zika e cifrões
- 5 de abril de 2016
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- Thamires Mattos
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Assim que os casos de microcefalia começaram a ganhar repercussão nacional e internacional, estudos e mais estudos, alguns já há tempo encubados, acabaram ressurgindo das cinzas. Pesquisas adormecidas nos tubos de ensaio vieram à tona, trazendo consigo novas análises e lucro.
Luciana Ferreira
Mais uma vez a mídia retorna pautando o assunto que a sociedade discutirá em suas distintas roda de conversas. A esse processo, os estudos em comunicação chamam de Teoria do Agendamento. A referida teoria pressupõe que as notícias são como são porque os meios midiáticos acabam por nos dizer sobre o que devemos pensar e a forma como recebemos e repassamos determinado assunto.
O Brasil já enfrentou a Gripe Aviária, a Gripe A, o Ebola, e como toda conversa precisa de uma temática, a bola da vez é o Zika Vírus. Além de apoderar-se das discussões da sociedade nacional e mundial, o vírus conquistou a atenção de estudiosos da área da saúde, bem como da indústria farmacêutica. Diante do avanço de uma epidemia que alarma toda a população, seria a especulação midiática responsável por gerar assunto para que a ciência e os profissionais da área farmacêutica iniciem suas pesquisas?
Como nem só de boatos vive o homem, vamos nos deter aos fatos. O primeiro caso confirmado de infecção do vírus em seres humanos foi registrado em 1952, na Uganda e na Tanzânia. No América, o Zika foi detectado pela primeira vez em fevereiro de 2014 na Ilha de Páscoa, Chile. E no Brasil, foi no mês de maio de 2015, que tivemos o registro do primeiro caso de contaminação por meio do vírus, na região Nordeste. Já em 2007, um surto da doença fora registrado na ilha de Yap, na Micronésia, no oceano Pacífico. Entretanto, a intensidade da infecção por meio do vírus não alcançou a atual proporção.
A ligação do vírus com a microcefalia foi o ápice do alarme popular. A revista Carta Capital mostrou, em matéria publicada no dia 14 de dezembro de 2015, que somente no estado do Pernambuco, 28 casos foram identificados em poucas semanas do mês de outubro. Relação inédita para a pesquisa mundial, que mesmo em meio a tantos estudos, ainda não encontrou respostas para todas as perguntas que cercam a anomalia.
Em artigo intitulado Uma aula de ignorância no debate sobre microcefalia, publicado no Observatório da Imprensa, a jornalista Roxana Tabakman apresenta os números como o Calcanhar de Aquiles dos veículos de comunicação. Isto porque, a imprensa se perde em meio aos números e acaba por repassar a população valores irreais. Pura especulação, falta de apuração. Falando em números, parecem ter sido justamente eles que a imprensa utilizou para aguçar o interesse de uma classe que lucra com as doenças e epidemias da vida: estudiosos e indústria farmacêutica.
Assim que os casos de microcefalia começaram a ganhar repercussão nacional e internacional, estudos e mais estudos, alguns já há tempo encubados, acabaram ressurgindo das cinzas. Até mesmo habitantes do outro lado do planeta, no Japão, partiram rumo o Brasil para estudar casos da doença.
De acordo com matéria divulgada pelo site G1.com, no dia 10 de março de 2016, pesquisadores japoneses visitaram a Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência (Funad). O objetivo era conhecer o trabalho realizado no atendimento às crianças com microcefalia. E porque do interesse? O país asiático já passou por um surto de uma epidemia transmitido por um mosquito da família do Aedes. Todavia, diferente do Zika Vírus,a Encefalite Japonesa, possui uma vacina eficiente no seu combate. Talvez isso já diga alguma coisa sobre o interesse na visita.
Além do Japão, a Polinésia Francesa também assumiu que teve casos de má-formação cerebral em fetos e recém-nascidos após a epidemia de zika entre 2013 e 2014. Bastou os números surgirem no Brasil, para que o BBC Brasil divulgasse uma matéria, intitulada, Polinésia Francesa também investida má-formação de fetos após epidemia de Zika, relatando que o país também estava estudando o vírus, seus impactos e o tratamento.
A epidemia do vírus aqueceu o mercado de repelentes. Zica impulsiona ‘mercado paralelo’ de repelente é o título da matéria apresentada pela BBC Brasil, em fevereiro deste ano. O repelente a base de icaridinaé recomendado pelos médicos contra o mosquito Aedes aegypti, tendo em vista, que a concentração de 20% a 25% chega a proporcionar 10 horas de proteção, contra quatro ou cinco horas de outros repelentes.
A alta procura por esse produto fez com que o estoque das lojas esgotasse. Com isso o mercado paralelo alavancou suas ofertas. De acordo com a reportagem, pessoas em sites de vendas on-line passaram a oferecer o repelente a preços exorbitantes. Um frasco que costumava ser vendido nas farmácias por R$ 54, estava sendo oferecido no mercado on-line por R$ 190.
E se o mercado “negro” ganha com o aumento de caso de microcefalia ligado ao vírus Zika, imagine qual não foi o faturamento da empresa que produz repelentes a base da icaridina. Em reportagem concedida ao BBC Brasil, o diretor-geral no Brasil da Osler, empresa francesa que fabrica o Exposis, afirmou que suas vendas aumentaram 30 vezes devido a procura. Até mesmo a forma de transporte do produto até o nosso país foi alterada para se ganhar agilidade. Antes o produto vinha da França de barco, agora ele vem nas “asas” de um avião.
A fim de atender a demanda, farmácias começaram a fazer lista de espera. Mães e gestantes desesperadas procuram diariamente grupos em sites de informação sobre gravidezpara trocar dicas de onde encontrar o produto.
Se países como o Japão e a Polinésia Francesa, devido ao registro de casos de Zika, intensificaram suas pesquisas, não é de se esperar que a grande potência mundial, EUA, ficaria de fora da “batalha” científica. Com o aumento de casos de microcefalia, o país norte americano iniciou uma nova pesquisa reforçando a relação da doença com o vírus e analisando a possível transmissão desta por meio do contato sexual.
E os dados não param por ai. São inúmeras as reportagens que mostram como a parceria Zika e microcefalia foi um sucesso para o campo das pesquisas e também para o mercado farmacêutico. E, caros pesquisadores, se há alguém a quem os senhores precisam agradecer é a tão “empenhada” mídia. Foi graças a ela e sua incansável busca pelos números “certos” de casos de microcefalia causada pelo vírus que as pesquisas ressurgiram dos tubos de ensaios, e com elas o matrimônio de estudo e lucro.
Quanto aos empresários da indústria da saúde, reverenciem a mídia brasileira, pois foi ela a responsável por aumentar os cifrões nos cofres dos senhores. Falando em cifrões, dólares, euros e assim por diante, ainda não se achou a vacina para prevenir a dengue e suas companheiras de trabalho, Zica e Chikungunya. Todavia, se a mídia continuar a desempenhar tão perfeitamente o papel que assumiu, pode ser que muito em breve vejamos a estreia do tão aguardado antídoto, mas isso fica para uma próxima discussão.