Culpar é a prioridade, qualidade é segundo plano
- 5 de abril de 2016
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- Thamires Mattos
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Qual a relação entre o Zika e política? Nem é preciso lembrar que as pautas são de editorias diferentes. Veja parece ter esquecido os limites de cada universo.
Tabbta Morais
A responsabilidade que os veículos de comunicação tem de informar é a razão da existência destes veículos, no geral. Em casos de temas como o Zika Vírus é preciso informar a respeito do que acontece no agora, informar os fatos de hoje, a notícia do momento. Entretanto, quando essa responsabilidade não é considerada com o comprometimento necessário, a qualidade diminui.
A revista Veja nunca se preocupou em disfarçar seu posicionamento direitista. Além disto, não é nenhuma surpresa ver capas, reportagens e entrevistas sobre conteúdos diversos que foram redirecionadas com o intuito de criticar o governo Dilma, principalmente em meio à crise política que o país vive. O interesse contínuo daVeja em exibir pontos fracos e aspectos negativos da esquerda tem comprometido seriamente o seu objetivo principal como veículo de comunicação que é transmitir informação.
A epidemia do novo vírus, o Zika, tem sido notícia há meses, principalmente após os médicos associarem o vírus a casos de microcefalia em bebês. É o que jornais e revistas do mundo todo têm mostrado. No entanto, Veja, como um bom veículo de direita que é, não poderia deixar de usar isso para expor sua ideologia unilateral em termos políticos. Qual a relação entre o Zika e política? Não tanta quanto a revista tenta mostrar. Nem é preciso lembrar que as pautas são de editorias diferentes.
Dando poder ao inimigo
As reportagens da semanária sobre o Zika e sobre a sua relação com a microcefalia jogam, quase sempre, a responsabilidade do problema para a administração do país. Mas além disso, há uma apresentação exagerada do Zika como um vilão invencível e absurdamente perigoso. Adjetivos e mais adjetivos são aplicados à crise do vírus, como: “avanço dramático dos casos suspeitos”, “aumento estrondoso do número [..]”, “epidemia assustadora”, ou uma declaração mais sensacionalista ao falar do mosquito afirmando que ele “ameaça nocautear a orgulhosa civilização tecnológica do século XXI”. Alegações e qualificações como estas acabaram atribuindo ao mosquito a impressão de mais poder do que realmente tem.
A matéria de capa da edição de 13/01/2016 trouxe o título “O Verão do Zika” , mostrando a maior incidência de casos nesse período do ano. A reportagem de oito páginas também apresentou imagens e depoimentos ‘preocupados’ e ‘inseguros’ de mulheres grávidas contando que mudaram os horários de algumas atividades rotineiras e até deixaram de frequentar determinados lugares como forma de se prevenirem contra o vírus. É a partir desse ponto que os efeitos da cobertura subjetiva de Veja (e também de alguns veículos de comunicação de teor sensacionalista) começam a aparecer.
Uma edição posterior, que data 02/03/2016, traz uma matéria com o seguinte título: “O Êxodo das Grávidas” . O texto novamente conta com declarações de grávidas, no entanto dessa vez elas têm decidido ir para fora do país para não correrem riscos de contaminação. “Só me sentirei segura fora daqui”, relata uma das entrevistadas. A revista ainda responsabiliza o governo pelo ‘êxodo das grávidas’. A linha fina da mesma reportagem afirma: “O medo de infecção pelo Zika vírus, provocado pelas trapalhadas das autoridades de saúde diante da epidemia, tem levado mulheres brasileiras a decidir passar a gestação fora do país”.
Em seu portal online, a Veja fez menção ao Zika e ao aumento dos casos de microcefalia pelo menos 18 vezes só no mês de janeiro. O site atualiza o novo número de casos de contaminação pelo vírus sempre que possível, não importando se um número aproximado foi dado no dia anterior. No portal, a semanária faz questão de enfatizar qualquer avanço da ciência em relação às pesquisas sobre os casos de microcefalia ligados ao vírus, contudo, também destaca qualquer tropeço do governo federal ou o do ministério da saúde quanto às tentativas de resolver o problema. A pretensão desesperada para dar atualizações e falar mais sobre o assunto, tem comprometido a qualidade e a relevância das notícias veiculadas.
A cupa é de quem?
Desde que o problema do Zika Virus se tornou conhecido, os jornais, revistas e outros meios de comunicação têm ‘distribuído a culpa’ pela expansão da epidemia. As autoridades são cobradas por falta de resoluções, mas a população também leva sua parcela de culpa por não tomar os cuidados devidos para evitar os focos do Aedes Aegypti, mosquito transmissor do vírus.
Entretanto, especialmente Veja faz questão de atribuir a culpa ao governo de tal forma a enfatizar sua indecisão, associando a desinformação dos brasileiros às trapalhadas do país diante da epidemia. “Há erros de estratégia, interpretação execução”, dizia um trecho da reportagem sobre as grávidas que queriam ir para o exterior.
A ânsia de Veja em criticar o governo tem reduzido há muito tempo a qualidade do conteúdo produzido, contudo isso tem se tornado cada vez mais explícito. Como foi o caso de uma matéria de perguntas e respostas ‘fundamentais para entender o zika’. Em meio a dúvidas sobre repelentes e meios transmissão do vírus, surge a pergunta: “o governo brasileiro demorou a agir? ”. O teor da matéria era explicativo, com o foco nas dúvidas mais frequentes da população a respeito da epidemia. A inclusão do assunto ‘governo’ no meio da matéria foi claramente desnecessário e tendencioso.
Não é preciso estudar jornalismo para perceber, por exemplo, uma questão fora de contexto.
Qualquer veículo de comunicação que levar a sério seu objetivo principal de informar, não precisará se preocupar com a queda de qualidade. Afinal de contas, uma revista informativa deve tomar sua devida posição na hora de informar, para então, saber posicionar perguntas num texto.