O preço do amanhã – a distopia do tempo
- 22 de setembro de 2015
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- Thamires Mattos
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Luciana Ferreira
Tudo neste mundo tem o seu tempo; cada coisa tem sua ocasião , já dizia o velho sábio Salomão. Talvez o que não imaginava nosso mestre das experiências temporais, é que com o avançar do tempo e o advento da tecnologia, a sociedade “evoluiria” de tal forma que agora o tempo e a ocasião não esperam por ninguém e o tempo perdido não volta mais .O que diria ele observando uma sociedade onde tempo é dinheiro ?
Sob essa temática de tempo como sistema monetário é que o filme O Preço do Amanhã (2011), dirigido por Andrew Niccol, foi construído. O longa retrata a distopia de uma sociedade futurística dividida em classes e submersa na busca por riquezas, em que literalmente “tempo é dinheiro”. É uma ficção científica que conta a história de Will Salas, um jovem da periferia que se revolta contra os meios autoritários dos quais uma minoria elitizada lança mão para dominar e oprimir a parte marginalizada da sociedade.
O filme critica o modo como o ser humano se deixou aprisionar pela rotina frenética de velocidade ditada pela tecnologia, onde se corre contra o tempo a fim de obter dinheiro, poder e a tão sonha imortalidade. E diante desta corrida, as pessoas mais ricas conseguem organizar seu tempo de forma a dispor de maiores porções(dele) para atividades que lhe dão prazer. Ao passo que a parte pobre da sociedade trabalha muito, obtendo pouco lucro e, consequentemente, trava contra o tempo uma luta pela sobrevivência.
É por meio dessa pegada futurística que o autor apresenta uma sociedade moderna fortemente presa ao tempo. Esse elemento tão caro ao homem continua a ser moeda de troca e se faz mais importante do qualquer outro componente. Prova disso é o preço que se paga na busca incessante pela imortalidade, objetivando alcançá-la no menor prazo possível. Cada vez mais as pessoas correm contra o tempo, a fim de obter mais tempo para usufruir a vida.
A revista VEJA , mesmo diante o bombardeio de escândalos políticos envolvendo o Brasil, ainda reservou espaço em seu periódico para veicular, só nos dois últimos dois anos, mais de uma dezena de matérias relacionando saúde, estética e tratamentos rápidos para se obter longevidade. As famosas dietas, passadas de geração para geração pelas nossas avós, estão sendo substituídas por procedimentos estéticos que apresentam o resultado desejado em um curto espaço de tempo.
Em uma reportagem intitulada Otimismo, a VEJA apresentou 20 motivos para se ter otimismo neste século. Dentre eles, estava o fato de que a sociedade conseguira alavancar a expectativa de vida de 33 anos de idade, na década de 90, para 74 anos, utilizando métodos como a sequenciação do DNA, onde se paga cerca de mil dólares para descobrir em tempo recorde possíveis mutações genéticas e tratá-las elevando assim o tempo de vida da pessoa.
A busca pelo corpo perfeito em menos tempo também é apresentada pela VEJA como matéria de capa. Na reportagem A Revolução dos Músculos tem-se uma série de exercícios rápidos e intensos que estão mudando a rotina das academias. Antes, além da busca pelo corpo saudável, as pessoas aproveitavam o tempo de exercício físico para conversar com amigos, se distrair. Atualmente, a velocidade foi inserida nessa busca pelo corpo escultural. Aliou-se ao melhor resultado, a menor quantidade de horas dispensadas para se alcançar o objetivo desejado.
A busca incessante por tempo, também é apresentada no filme como responsável por ocasionar a segregação social. Desde os primórdios da história, as civilizações têm sido divididas em classes que as distinguem pela posição que ocupam, pelo poder que detêm ou de acordo com a riqueza acumulada. A sociedade grega, por exemplo, era fragmentada em eupátridas, demagogos e metecos e na Idade Média, tínhamos o clero, a nobreza, comerciantes e por fim, camponeses e servos.
A semelhança do que ocorreu em diferentes épocas da história da humanidade, o filme apresenta uma sociedade estratificada, onde ricos e pobres são separados pela porção de tempo que cada um possui.
Com relação à estratificação social brasileira, em novembro de 2014, o site G1.com divulgou uma matéria que destacava a fragmentação da sociedade, proposta pela Secretária de Assuntos Estratégicos (SAE) do Governo Federal, que utiliza a renda per capita para classificar as pessoas. Assim como acontece no filme, na sociedade brasileira, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que pobres trabalham duas vezes mais que os ricos para manterem suas despesas básicas. E ainda possuem uma carga tributária de quase 54%, em comparação a classe que está no topo da pirâmide que paga apenas 26% de impostos. Traduzindo, a classe baixa trabalha mais, paga mais e recebe menos. Trabalha mais e vive menos, no sentido de que o tempo (de lazer, de saúde, de beleza, de descanso) é imensamente menor que o da elite. Lógica ilógica essa, não!
Mas, após tanto tempo consumido escrevendo sobre a “cultura” de se aproveitar o tempo e correr atrás de mais tempo, voltemos ao clássico Salomão. Como ele se sentiria imerso em uma sociedade onde não há mais tempo para nada debaixo da terra?