O mito da hospitalidade versus nojo da latinidade
- 27 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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Somos tão xenófobos quando os fascistas europeus. Nosso discurso de miscigenação e hospitalidade apenas potencializa a gravidade de comportamentos de desrespeito a alteridade dentro de terras brasileiras
Andréia Moura
Muita gente continua a alimentar o mito de um Brasil miscigenado livre de preconceitos, aberto ao estrangeirismo e afeito à convergência cultural. Estrangeiros são muito bem vindos! Doce visão estabelecida e perpetuada por lentes cor-de-rosas da ignorância, desinformação e de uma ingenuidade quase criminosa. É verdade que o Brasil sempre recebeu estrangeiros e se misturou a eles. Mas esta mistura não foi uma festa cultural como se gosta de pensar.
Nos últimos 200 anos diversas etnias chegaram ao Brasil tentando uma vida melhor. Algumas outras foram trazidas à força, a fim de manter uma ostentação colonialista. Brancos europeus foram recebidos com muita pompa. Amarelos asiáticos, foram tratados com desconfiança. Negros africanos, por sua vez, foram pisoteados. Nascia com força a idéia de um “branqueamento” social. Miscigenar cada vez mais com brancos com fins de eliminar traços de etinias “inferiores”. Em síntese: o Brasil sempre foi terra de preconceito. E do pior tipo possível, o velado.
Recentemente o país passou a receber novos fluxos migratórios. Bolivianos, haitianos, cubanos e outros vizinhos latinos tem acorrido ao Brasil em busca de melhores condições de vida. Por incrivel que pareça, também chegam espanhóis e portugueses. O triste é que a imprensa gosta de enfatizar os problemas decorrentes da presença de médicos cubanos e trabalhadores haitianos no país, enquanto tratam a presença de europeus como contribuição cultural ao Brasil. Sobre os bolivianos, sequer há menções (positivas ou não). Passam em brancas nuvens.
A xenofobia brasileira se dá pelo não dito, pelo que a mídia omite, pela informação que não virou notícia. Bolivianos e demais latinos, se aparecem na mídia, estão relacionados a marginalização, crise ou a uma equivocada ideia de invasão. Acho engraçado como nos sentimos no direito de invadir “maravilhosa” terra do Tio Sam, mas ficamos terrivelmente ofendidos com as “invasões” em territórios verde-amarelos. Fato é que não se pode esconder ou negar: a presença dos vizinhos latino-americanos aqui é cada vez maior. Estatísticas divulgadas por periódicos (pasmem!) europeus, afirmam que somente em São Paulo vivem aproximadamente 200 mil imigrantes bolivianos. Ainda que ignorados, utilizam escolas, hospitais e transporte público. E é nestes locais onde acontecem as principais manifestações xenófobas.
A culpa deste comportamento desrespeitoso e intolerante é de uma educação estabelecida sob moldes europeus e norte-americanos e de uma mídia omissa. Não nos consideramos latino-americanos. Gostamos de pensar que somos uma pequena célula de ascendência europeia perdida dentro de um território de indios. Temos nojo de nossa latinidade. Um sentimento nascido de um completo desconhecimento das realidades e similaridades de nossos vizinhos. Conhecemos muito, muito pouco dos países que nos cercam. Sequer temos disciplinas escolares que abordam estes tópicos.
Os heróis, de qualquer filiação ideológica, que fizeram parte da história de libertação da América Latina (San Martin, Sucre, Bolívar, Hidalgo) provavelmente jamais tiveram suas histórias contadas em nossas salas de aula. No que diz respeito à mídia, tampouco temos correspondentes brasileiros em quantidade nos territórios vizinhos. Os temas latino-americanos abordados nos periódicos geralmente falam de tráfico, futebol, comércio ilegal nas fronteiras. Os brasileiros conhecem bem apenas Maradona, Hugo Chavez, Fidel Castro e El Chavo del Ocho (vulgo Chaves do SBT). A verdade é que estamos marginalizados dentro de nosso próprio continente. Não sabemos nem queremos conhecer, por um sentimento mal entendido de superioridade, nada a respeito de nossos povos-irmãos.
Nossa ingenuidade quanto à origem, colonização e quanto a nossa própria cultura é criminosa porque desconsidera as intensas similaridades que existem entre nós e os povos vizinhos. Semelhanças econômicas, políticas, estruturais, até mesmo a língua (de origem latina). Esta ignorante inocência é mãe de um sentimento de desprezo e rechaço que nos faz protagonistas do discurso ultrapassado e medíocre da superioridade racial/cultural. Superioridade que nunca existiu. Vive apenas no louco e desinformado imaginário brasileiro.
Somos tão filhos da colonização exploratória, das civilizações pré-colombianas, da opressão direitista, da elite branca segregacionista, quanto todo o resto da latino-américa.